A delegação brasileira na Conferência Internacional do Trabalho, evento da OIT realizado em Genebra (Suíça) de 3 a 14 de junho, fez uma reunião nesta segunda-feira (10) com representantes dos trabalhadores, empresários, governo, poder legislativo e judiciário.
O encontro foi marcado por falas do representante da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Gedeão Silveira Pereira, que negou que haja trabalho análogo à escravidão no Rio Grande do Sul e afirmou que o Bolsa Família atrapalha a oferta de mão de obra.
As colocações causaram revolta dentre os representantes dos trabalhadores e foram rebatidas pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho: “pague mais então”, disse ele quando o empresário reclamou do Bolsa Família. “O Bolsa Família é para garantir que as pessoas não morram de fome”, acrescentou o ministro.
O programa de distribuição de renda paga R$ 600 por mês por família que atendam aos critérios, mais R$ 150 por criança de 0 a 6 anos, R$ 50 por criança ou adolescente de 0 a 18 anos e R$ 50 por gestante.
Para o empresário, no entanto, esse valor “atrapalha a nossa relação [entre empregador e trabalhador], porque já nos falta mão de obra no Brasil”, afirmou.
Trabalho escravo
Pereira falou ainda sobre o caso ocorrido em fevereiro do ano passado em plantações de uva no Rio Grande do Sul em que 207 trabalhadores foram resgatados de situação análoga à escravidão.
Além dos pagamentos atrasados e abaixo do prometido, trabalhadores relataram sofrerem abusos com spray de pimenta e máquina de choque elétrico, equipamentos que foram apreendidos pelos fiscais do Trabalho nos alojamentos.
Para o empresário, a situação foi “uma distorção das aplicações da legislação trabalhista”.
“Imaginem os senhores cumprir uma burocracia intensa para alguém que tem que colher uva em três dias, dois dias ou quatro dias. Se ele vai assinar a carteira de trabalho, se ele vai fazer toda a… Ele não consegue colher a uva, e quem é que perde? Vai perder o Brasil. E é trabalho escravo isso? Não, não é. Tanto é que eles recebem um salário até superior a qualquer salário mínimo vigente no país”, disse Pereira, que também é presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
Na sua opinião, é possível que haja trabalho escravo na mineração da Amazônia, “que não tem comunicação, não tem Starlink [empresa de satélites de Elon Musk]”, mas não em uma “das regiões mais ricas do Brasil, contra as nossas vinícolas Salton, Garibaldi e Aurora”, disse.
“O Brasil é uma potência agrícola. Não só agrícola, [mas também] ambiental e de energias limpas, reconhecidas hoje pelo mundo. Esse é o país que nós somos. E nós não chegamos aqui com absoluta certeza se nós tivéssemos trabalho escravo, se nós tivéssemos trabalho infantil”, acrescentou.
Luiz Marinho respondeu ao empresário contando sobre um caso ocorrido em 2006, quando apresentou imagens de trabalho escravo no Mato Grosso ao então governador Blairo Maggi, um dos maiores produtores rurais do país, que teria então pedido desculpas por negar que essa forma de exploração existisse na região.
O ministro destacou ainda que as próprias vinícolas assumiram a responsabilidade assinando um Termo de Ajustamento de Conduta e que o Ministério do Trabalho e Emprego tem buscado não apenas endurecer o combate ao trabalho escravo, mas conversar com os empresários para prevenir novos casos.
CSB reage
“A fala foi muito infeliz. O Brasil virou a página do negacionismo na ciência, mas no mundo do trabalho infelizmente os negacionistas insistem em negar a realidade. O trabalho escravo, o trabalho infantil, a precarização estão aí e têm a digital de quem apoiou a reforma trabalhista”, disse o presidente da CSB, Antonio Neto, em declaração à Folha de S.Paulo.
Antonio Neto e toda a comitiva da CSB na Conferência da OIT estavam no encontro que visava discutir a inclusão do Brasil na lista longa (40 casos) da Organização por descumprimento da Convenção nº 98, que trata do direito à sindicalização e à negociação coletiva, além de preparar a delegação brasileira para a participação do presidente Lula na Conferência na quarta-feira (13), que deve discursar justamente sobre trabalho digno no fórum de inauguração da Coalisão Global por Justiça Social.
Pereira foi enviado à Conferência como representante da bancada dos empresários brasileiros, que oferecerá um jantar nesta terça-feira (11). Parte dos representantes da bancada dos trabalhadores defende não comparecer ao encontro se ele não se retratar.
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