Vinícolas no RS tinham 200 pessoas em condições análogas à escravidão; sindicato repudia

As vinícolas do Rio Grande do Sul que contrataram uma empresa terceirizada para a colheita da uva podem responder por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão após 200 pessoas serem resgatadas em condições precárias em plantações em Bento Gonçalves, na semana passada. 

De acordo com o gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Caxias do Sul, Vanius Corte, as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton contrataram uma empresa para fornecer a mão de obra e alegam não saber das condições às quais os trabalhadores eram submetidos. 

O responsável pela empresa, Pedro Augusto de Oliveira Santana, 45 anos, chegou a ser preso, mas vai responder pelo crime em liberdade após pagar fiança no valor de R$ 40 mil. 

Apesar de as vinícolas afirmarem que não sabiam das condições, o presidente da CNTA (Confederação Nacional do Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação), Artur Bueno de Camargo, acredita que elas têm “suas parcelas de responsabilidade” e se solidarizou com os trabalhadores. 

“Queremos repudiar as condições análogas de escravidão, submetidos os trabalhadores das colheitas de uvas em Bento Gonçalves. Também afirmar que os processadores de uvas em suas indústrias vinícolas têm suas parcelas de responsabilidades, por não se importar com as condições das atividades na colheita das uvas que eram destinadas para suas vinícolas”, afirmou em nota.  

“A CNTA é solidária com os trabalhadores, apoia todas as medidas dos órgãos competentes em suas ações, e continua acompanhando o processo para que os culpados respondam ao rigor da lei.” 

Responsabilidade subsidiária 

Em nota, o advogado Rafael Dorneles da Silva informou que “a empregadora Fênix Serviços de Apoio Administrativo e seus administradores esclarecem que os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial.” 

“As pessoas que tomaram esse serviço, as pessoas que foram beneficiadas por esse serviço, também podem ser responsabilizadas. A gente chama isso de responsabilidade subsidiária. Primeiro, o empregador tem a responsabilidade. Se ele não pagar, as pessoas que trabalharam em determinada vinícola, que prestaram o serviço lá, podem cobrar, e nós vamos chegar nesse ponto, dessa vinícola que se beneficiou desse trabalho”, afirma Vanius Corte.

Em nota, as empresas afirmaram que desconheciam as irregularidades e sempre atuaram dentro da lei. 

Para Corte, “não basta tu contratar alguém, tu tem tem que saber quem tu tá contratando, tu tem que ter essa responsabilidade de examinar se ele oferece as condições [adequadas] e os diretos [legais]. 

Os trabalhadores resgatados receberam acolhimento no ginásio Darcy Pozza, em Bento Gonçalves, na quinta-feira (23). 

Máquina de choque e spray de pimenta 

Um dos trabalhadores resgatados pela polícia relatou à RBS TV em que condições ele e os colegas viviam no local oferecido pelos empregadores. 

“Todos os dias, a gente amanhece com o pensamento de ir para casa. Mas não tem como a pessoa ir para casa porque eles prendem a gente de uma forma que ou a gente fica ou, se não quiser ficar, vai morrer. Se a gente quiser sair, quebrar o contrato, sai sem direito a nada, nem os dias trabalhados, sem passagem, sem nada. Então, a gente é forçado a ficar”, contou. 

O homem veio da Bahia, com colegas, para trabalhar na colheita da uva com a promessa de salários superiores a R$ 3 mil, além de acomodação e alimentação. 

No entanto, ao chegarem ao RS, os trabalhadores enfrentavam atrasos nos pagamentos dos salários, violência física, longas jornadas de trabalho e oferta de alimentos estragados. 

Também eram coagidos a permanecer no local – pequeno e em más condições – sob a pena de pagamento de uma multa por quebra do contrato de trabalho. 

Também houve casos de violência com choque elétrico e spray de pimenta, conforme Corte, gerente regional do MTE. 

“Nossa fiscalização apreendeu no local uma máquina de choque elétrico e spray de pimenta que era usado contra os empregados que reclamavam da situação. É uma situação escandalosa de tratamento das pessoas”, relata Corte.

“Alguns diziam que tinham recebido um adiantamento, mas nunca tiveram pagamento do que foi prometido. Em contrapartida, tinham essa indicação: ‘vai lá e compra no mercadinho que te vende fiado’, e esse mercadinho praticava preços elevados. Foi identificado um saco de feijão a R$ 22. O empregado ficava sempre devendo e não conseguia sair sem pagar a conta, não recebia o salário e ficava essa situação, de ficar preso no local por conta da dívida. Isso foi uma das coisas que caracterizou o trabalho escravo, além dessa história das agressões”. 

Confira as notas oficiais da três vinícolas: 

Aurora 

“A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão. 

No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão-de-obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas. 

Além disso, todo e qualquer prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta. 

A empresa informa também que todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores contratados. 

A vinícola reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista. 

A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos.” 

Garibaldi 

“Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada. Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia. 

Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado. 

A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes. 

Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito. 

Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.” 

Salton 

“A Família Salton repudia veementemente e não compactua com nenhum tipo de trabalho sob condições precárias, análogas à escravidão. A empresa e todos os seus representantes estão solidários a todos os trabalhadores e suas famílias, que foram tratados de forma desumana e cruel por um prestador de serviço contratado. 

Reforçamos que todas as informações foram verificadas antes da contratação do fornecedor. Entretanto, trata-se de incidente isolado e a Família Salton já está tomando medidas cabíveis frente ao tema, além de ser colocar à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo. 

A empresa salienta que já está trabalhando para intensificar os controles de contratação, prevendo medidas mais austeras em todo e qualquer contrato de serviços terceirizados. Prevê ainda a associação e parcerias com órgãos e entidades do setor para melhorar a fiscalização de práticas trabalhistas. 

Com um legado de 112 anos, a Família Salton é referência em sustentabilidade e signatária do Pacto Global da ONU e realiza projetos que refletem diretamente a responsabilidade social da empresa e seu compromisso como empresa cidadã.” 

Com informações de: Brasil Independente

Leia também: Fazendeiro é condenado por manter idoso em trabalho escravo em SP

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