Sindicatos não foram envolvidos no acordo entre MPT e vinícolas – “Por que os sindicatos não foram envolvidos no TAC [Termo de Ajuste de Conduta] firmado entre o Ministério Público do Trabalho e as vinícolas?”.
O questionamento é do especialista Gustavo Ferroni, Coordenador de Justiça Rural e Desenvolvimento da Oxfam, organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua no combate à desigualdade em diversos setores.
As produtoras de vinho Aurora, Garibaldi e Salton ,envolvidas no caso dos 207 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão no Rio Grande do Sul, assinaram um acordo de indenizações por danos morais no valor de R$ 7 milhões.
Deste total, R$ 2 milhões irão para as vítimas e o restante será pago para ONGs que combatem a estes crimes. Os termos foram criticados pelo presidente da CSB, Antonio Neto.
O valor ficou definido em acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), assinado após audiência que durou mais de oito horas.
Os termos preveem ainda 21 obrigações a serem cumpridas pelas vinícolas para aperfeiçoar o processo de tomada de serviços, incluindo a fiscalização das condições de trabalho e os direitos dos terceirizados para evitar que situações semelhantes aconteçam.
Na opinião de Ferroni, o acordo falha, principalmente, por não envolver os sindicatos. “São instituições de direitos humanos, não podemos nos esquecer disso”, defende o especialista.
“Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, os sindicatos são uma das poucas instituições citadas”.
O especialista vai além. Ferroni argumenta que “em locais onde os sindicatos do campo podem atuar não existem situações como essa. Podem haver infrações, mas trabalho análogo à escravidão não”.
No entanto, segundo o coordenador, os sindicatos estão ausentes “muito por conta dos empregadores que firmam acordos coletivos excluindo a presença dos sindicatos”.
A argumentação de Ferroni parte do ponto de que o combate ao trabalho análogo à escravidão passa, principalmente, pela prevenção e fiscalização, não apenas pela punição”
“São alguns pontos. Primeiro precisamos prevenir, que significa garantir bons salários aos trabalhadores do campo e acesso à políticas públicas. Em Pernambuco, existe uma política de transferência de renda para trabalhadores safristas quando eles estão no período entressafras, destaca Ferroni.
Contudo, o especialista afirma que, sim, “a punição é importante, mas tem que estar amarrada a mudanças de conduta das empresas. O MPT precisa reconhecer que as grandes marcas são, sim, responsáveis pelo que os fornecedores fazem.
“Quem define as condições são as grandes empresas, então elas precisam assumir as responsabilidade. a empresa não pode alegar que não sabia, ela tem obrigação de procurar saber”, finaliza.
Problema histórico e atual
“Não é novidade, mas é muito positiva a reação da sociedade”. Ferroni celebra que um crime recorrente chamou atenção da opinião pública.
“Ano passado tivemos casos muito semelhantes, inclusive em plantações de arroz, também no Rio Grande do Sul. Mas a reação foi diferente”, relata.
Mesmo tratando como algo que se repete ano a ano, o especialista argumenta que os últimos cinco têm sido mais críticos, por conta da reforma trabalhista, “que aumentou muito a terceirização e, consequentemente, levou vulnerabilidade extrema no campo”.
A relação entre o caso das vinícolas e a reforma trabalhista foi abordada em uma nota assinada pelas seis centrais sindicais.
“É urgente que sejam revogados os itens da Reforma Trabalhista que enfraqueceram os sindicatos, estabeleceram a prevalência dos acordos individuais aos coletivos, impediram a fiscalização sindical nos contratos de trabalho e colocaram barreiras à sustentação financeira às entidades sindicais com objetivo de acabar com a intervenção, fiscalização e denúncia desses casos”, diz o texto.
Ferroni explica que empresas terceirizadas são especialistas em assediar trabalhadores de outras partes do país. Segundo o especialistas, elas atuam de maneiras que o trabalhador fica sem respaldo e muitas vezes nem conhece quem é o empregador.
Muito antes da reforma trabalhista, a herança colonialista é outro ponto que Ferroni traz para explicar a perpetuação desses crimes no país.
“Africanos foram sequestrados de suas regiões de origem para trabalhar em canaviais aqui. Hoje, é esse setor que mais está envolvido em casos de trabalho análogo à escravidão.”
Ferroni lembra que essa população foi esquecida nas leis que começaram a pôr fim à escravidão no Brasil. “Na lei do sexagenário, se o escravizado fosse rural, ele teria que trabalhar ainda mais 5 anos para o patrão/senhor para conseguir a liberdade”.
*Texto por Brasil de Fato, editado pela CSB.