TST condena casal em R$ 386 mil por Caso Miguel; “Racismo estrutural”

Caso Miguel – Uma decisão histórica do Tribunal Superior do Trabalho (TST) se baseou no conceito de “racismo estrutural” para condenar Sergio Hacker Corte Real e Sari Mariana Costa Gaspar — ex-prefeito e ex-primeira-dama de Tamandaré (PE), envolvidos na morte do menino Miguel, em Recife, em junho de 2020.

A sentença foi dada pelos ministros da 3ª Turma do TST na última quarta-feira (28) e determinou indenização de R$ 386 mil, que será paga a um fundo de trabalhadores.

As informações constam em reportagem de Beatriz Vitória, no UOL (Repórter Brasil).

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Filho de uma das empregadas domésticas do casal – Mirtes Renata Santana -, o garoto de cinco anos faleceu após cair do 9º andar de um prédio de luxo no centro da capital pernambucana, quando estava aos cuidados da patroa da mãe para que ela passeasse com o cachorro da família dos empregadores.

As trabalhadoras domésticas são o grupo mais impactado pelo racismo estrutural no país e sofrem consequências que vão além das questões trabalhistas, afirma o ministro Alberto Balazeiro, relator do caso no TST, à Repórter Brasil.

“[A morte de Miguel] é o desfecho de uma cadeia de problemas estruturais envolvendo as violações trabalhistas sofridas pela família de Mirtes”, diz trecho da decisão.

“A maioria das mulheres que trabalham no serviço doméstico são negras. E as pessoas que estão no poder, contratando, são brancas. Há um pacto da branquitude para que a gente não tenha autoconhecimento e possam usufruir do nosso trabalho de forma até ilegal.”, diz a mãe do menino, em entrevista à Repórter Brasil.

Contratação fraudulenta

O caso julgado pelo TST diz respeito à contratação fraudulenta de Mirtes e sua mãe, e não ao processo criminal, que ainda está em curso.

“Trata-se de um casal em que o marido era prefeito de uma das cidades da região metropolitana de Recife e estava usando o trabalho doméstico de duas trabalhadoras negras em sua casa durante o período de pandemia sem qualquer adoção de medidas de segurança e de defesa para a saúde delas”, destaca o ministro José Roberto Freire Pimenta.

“E alega no processo que elas não eram suas empregadas, e sim do município, e que ele tinha desviado as trabalhadoras para trabalhar em sua residência, como se ainda vivêssemos no período colonial”, acrescenta.

“Em virtude dessa ideologia racista operante no mundo do trabalho, mantiveram-se intocados os benefícios usufruídos pelas pessoas brancas que ao longo da história lucraram em cima da mão de obra negra”, apontou o relator em sua decisão.

A necessidade de reparação por danos morais coletivos foi requerida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de Pernambuco por meio de uma ação civil pública.

Em geral, o MPT só se envolve em ações coletivas e ao aceitar a tese do órgão e condenar o ex-prefeito e sua esposa a pagarem uma indenização de R$ 386 mil, o TST entendeu que a história de Mirtes agride todas as mulheres negras que trabalham como empregadas domésticas no Brasil.

Como se trata de danos morais coletivos, o dinheiro não será destinado à mãe e à avó de Miguel, e a Justiça pode determinar o uso desses recursos para diversas finalidades, como capacitação de trabalhadores e até compra de ambulâncias.

“Se o Judiciário não tiver uma mudança de olhar no julgamento dessas questões, haverá um incentivo à prática da exploração e um desestímulo para a denúncia das trabalhadoras, que não possuem recursos e podem ser vítimas de perseguição e ameaças ao longo do processo”, diz o ministro Balazeiro.

Caso Miguel

Mirtes Santana conta que, no início, apenas a sua mãe trabalhava na casa de Sérgio Hacker, que após ganhar as eleições municipais, teria dado baixa na carteira de trabalho da trabalhadora e a registrado como funcionária da prefeitura.

Posteriormente, Mirtes teria sido contratada da mesma forma, alega.

O caso se assemelha ao da “Wal do Açaí”, funcionária pessoal do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas que era contratada do gabinete dele enquanto o político ainda era deputado federal pelo Rio de Janeiro.

As violações contra mãe e filha se agravaram durante a pandemia de covid-19, já que elas foram obrigadas a se mudar de Recife para Tamandaré, onde fica uma mansão do ex-prefeito.

Mirtes ainda denuncia que foi impedida de fazer isolamento social quando contraiu o coronavírus.

Na residência do casal, as empregadas foram privadas de inúmeros direitos, como não recolhimento previdenciário e de FGTS, horas extras não remuneradas, falta de vale-transporte e, no fim do contrato, falta de pagamento das verbas rescisórias.

Racismo estrutural

Entre a abolição da escravatura (1888) e a aprovação da PEC das Domésticas, emenda constitucional de 2013 que estendeu direitos trabalhistas à categoria, essas trabalhadoras foram privadas da proteção básica do Estado e segundo Balazeiro, isso seria uma das consequências do racismo estrutural sobre as domésticas.

“Foi importante a declaração do racismo estrutural no julgamento, assim como destacar as consequências disso nas relações sociais brasileiras”, avalia o juiz Marcus Barberino, diretor de formação e cultura da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).

Barberino afirma que o casal de empregadores se aproveitou do “status histórico” das famílias brancas, que tradicionalmente têm acesso a ocupações de maior prestígio.

“Isso resultou em uma situação em que o custo do trabalho não foi suportado pelos empregadores, mas sim pela sociedade, devido à sua posição socialmente superior”, acrescenta o magistrado.

O juiz acredita que o valor da indenização é baixo.

“Isso significa que a punição não estabelece, de forma efetiva, a obrigação de respeitar a lei nas relações sociais”, conclui.

Processo criminal

Na esfera criminal, o caso do menino Miguel ainda não teve um desfecho, mas no ano passado, Sari Corte Real foi condenada a oito anos e seis meses de reclusão por abandono de incapaz com resultado morte no caso de Miguel.

Na época do crime, a mulher foi presa em flagrante por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), mas acabou liberada após pagamento de fiança de R$ 20 mil.

A ex-primeira-dama permanece em liberdade enquanto aguarda a apreciação dos recursos de seu processo pelas instâncias superiores.

Recentemente, Sari foi aprovada no vestibular de medicina de uma faculdade particular em Jaboatão dos Guararapes (PE).

A reportagem do UOL entrou em contato com a defesa do ex-prefeito e da ex-primeira dama por e-mail, mensagem e ligação, mas não recebeu retorno.

(Com informações de UOL)
(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

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