Sobre-educados: Brasil tem 5,4 milhões de formados trabalhando fora da área

No Brasil, 5,4 milhões de pessoas ocupadas com ensino superior completo não conseguem trabalho na área de formação e que exija seu grau de qualificação, mostra um levantamento da consultoria IDados. Na prática, o grande número dos chamados sobre-educados – equivalente à população da Noruega – mostra que o país desperdiça recursos aplicados no ensino superior e boa parte do seu capital humano. 

“O Brasil é investe muito em educação de nível superior. Esse dado indica que parte desses recursos não está atingindo o objetivo principal”, afirma Ana Tereza, pesquisadora responsável pelo levantamento. “Esses sobre-educados recebem mais na comparação com aquelas que têm um nível médio. Não é um capital humano totalmente perdido, mas, frente ao trabalhador que está numa ocupação que exige ensino superior, elas vão ganhar menos.” 

Nos últimos anos, o número de trabalhadores graduados em funções que exigem uma qualificação menor foi crescente. No último trimestre de 2019, portanto antes da pandemia de Covid-19, o contingente de sobre-educados já era de 4,5 milhões de pessoas. 

“Duas coisas podem ter acontecido. Primeiro, a pessoa ocupava um trabalho de nível superior, ficou desempregada durante a pandemia e, agora, não consegue encontrar um trabalho de nível superior”, afirma Ana. “E segundo, a entrada dos jovens na força de trabalho pode levá-los a ocupar esses cargos de nível superior, fazendo com que a sobre-educação aumente entre os mais velhos.” 

Engenheiro na marcenaria 

Desde que se formou em engenharia civil em 2016, Tales Fernando Lima, de 30 anos, enfrentou uma série de crises e nunca conseguiu trabalhar na sua área de formação. Sem emprego, decidiu então ajudar na marcenaria do pai em Pirituba, zona norte de São Paulo.  

“Quando eu entrei na faculdade, a área de engenharia civil estava bem quente. Havia muita oferta de trabalho, mas a crise pegou, e as empresas pararam de contratar”, diz. 

Sem experiência, Tales deixou de buscar trabalho como engenheiro. “Se eu arrumar um emprego como engenheiro, não vou conseguir ganhar o que recebo na oficina de marcenaria. Virou uma questão material também”, afirma. 

Agora, ele decidiu partir para uma segunda graduação, em história. “Decidi fazer o que eu gosto, e espero dar aulas nos próximos anos”, conta Tales. “Eu me enquadro numa categoria que busca um trabalho na área em que se formou, mas não encontra.” 

Dificuldade para os jovens 

Entre os jovens, a demora para se inserir no mercado de trabalho na área de formação leva a um cenário ainda mais crítico, porque os primeiros anos de formação são considerados essenciais para o desenvolvimento profissional. 

“O atraso para se inserir no mercado de trabalho acaba gerando o chamado efeito cicatriz. Os jovens que iniciam a carreira em uma crise vão estar em uma desvantagem duradoura. É uma força de trabalho que acaba desaprendendo como realizar as tarefas”, afirma Lucas Assis, economista da consultoria Tendências. 

Num recorte específico realizado entre a população ocupada de 22 a 29 anos, o levantamento do IDados apurou que o País tem 1,06 milhão de trabalhadores com ensino superior completo, mas em funções que exigem baixa qualificação. 

Na leitura dos analistas, o Brasil precisa definir como um dos seus principais objetivos a capacidade de abrir oportunidade para os trabalhadores qualificados, como foco especial na população mais jovens. 

“Por conta do envelhecimento da população e desse baixo crescimento esperado para a economia até o final da década, é preciso colocar esses jovens no centro de uma política pública ambiciosa”, diz Assis. 

Igualdade na educação 

O desafio da economia brasileira é urgente e grande para criar empregos qualificados, porque cada vez mais o mercado de trabalho deve receber trabalhadores com graduação completa.  

Mas a avaliação é que a economia brasileira só vai conseguir dar um salto com investimento em ciência e tecnologia e se endereçar questões ligadas à qualidade educacional, sobretudo, reduzindo a diferença entre escolas públicas e privadas. 

“Eu vejo um problema estrutural na educação que acaba afetando a economia no longo prazo. E há alguns problemas que precisam ser resolvidos no campo educacional, como essa discrepância muito grande entre as escolas públicas e privadas”, afirma Bruno Imaizumi, economista da consultoria LCA. 

Fonte: Estadão 

Leia também: Empregadores “driblam” Justiça do Trabalho para validar contratos PJ via STF 

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