Empregadores “driblam” Justiça do Trabalho para validar contratos PJ via STF 

Advogados de empregadores têm usado um “drible” para escapar de decisões da Justiça do Trabalho. Tem ganhado força a estratégia de entrar com reclamação no Supremo Tribunal Federal para validar a contratação de trabalhadores como pessoa jurídica (PJ), em vez do contrato tradicional regido pela CLT. Isso porque STF costuma acatar a tese de terceirização lícita. 

As decisões mais recentes envolvem advogados, médicos, corretores de imóveis e prestadores de serviços na área de tecnologia. No Judiciário, os profissionais têm alegado que teriam sido forçados a aceitar a contratação como PJ e pedem as verbas relativas a empregados com carteira assinada – 13º salário, férias, aviso-prévio indenizado, depósitos e multa de 40% do FGTS, além dos pagamentos das contribuições previdenciárias. 

Porém, por meio de reclamações, esses casos têm chegado aos ministros do Supremo. As empresas alegam descumprimento de decisões do STF, em repercussão geral, sobre a possibilidade de terceirização ampla e irrestrita e de prestação de serviços via PJ.  

Na maioria das vezes, os ministros têm cancelado os acórdãos e determinado o retorno desses processos ao tribunal de origem para novo julgamento, que deve seguir a jurisprudência da Corte. 

‘Pejotização’ 

Atualmente há na Justiça do Trabalho 1.067 ações com os termos “pejotização”, “empregado” e “hipersuficiente”, em um valor total de R$ 788 milhões, segundo levantamento da plataforma de jurimetria Data Lawyer. São contados apenas os processos eletrônicos ajuizados desde 2014 e sem segredo de justiça. 

O termo hipersuficiente foi introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017). Seriam trabalhadores com melhores condições para entender e negociar o contrato de trabalho. 

A previsão está no parágrafo único do artigo 444 da CLT. Pelo dispositivo, as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas, nos casos em que envolver trabalhador portador de diploma de nível superior e com salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que é de R$ 14.174,44 de acordo com o valor atual. 

Há regras 

As decisões da Corte favoráveis à contratação como PJ, no entanto, não deixam aberto para que qualquer contrato seja feito desta forma. 

O ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, concedeu duas liminares, publicadas recentemente, para admitir a chamada “pejotização”. Uma envolvendo um prestador de serviços da incorporadora e construtora Cyrela e outra de um prestador de serviços autônomo da Educo Serviços, franqueada da Totvs, da área de tecnologia. 

A Cyrela questionou decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão (TRT-MA), que manteve sentença a favor do vínculo de emprego (Rcl 56132). Já a Educo Serviços recorreu de decisão do TRT do Espírito Santo (Rcl 55607). 

Para ele, “são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço”.  

Barroso destaca ainda que esses casos não envolvem trabalhadores hipossuficientes. “Trata-se de profissional com alto grau de escolaridade e remuneração expressiva, capaz, portanto, de fazer uma escolha esclarecida sobre sua contratação.” 

Fraude? 

Ouvido pelo Valor Econômico, o advogado José Eymard Loguercio, do LBS Advogados, que assessora trabalhadores, considera que entrar com reclamações no STF não é o mais adequado. “Isso porque as premissas jurídicas gerais estão postas. Porém, o próprio STF admite que a pejotização não pode desaguar em fraude, e a fraude se constata em processo individual probatório.” 

A exclusão de proteção por um critério econômico (hipersuficiência), diz Loguercio, “é um equívoco absoluto”. “Acho que o Supremo, ao abrir em demasia a admissão de reclamações constitucionais, e isso tem acontecido com outros temas, está promovendo uma inversão do sistema jurídico”, afirma. 

Auditor fiscal do trabalho no Rio de Janeiro, Ronald Sharp Junior entende que a terceirização em qualquer atividade é lícita, como já decidiu o STF. No entanto, acrescenta, desde que não exista uma relação de emprego com o tomador de serviços. 

Ele afirma que, mesmo no caso do trabalhador hipersuficiente, a reforma trabalhista estabelece, no artigo 444, ao vincular aos artigos 611-A e 611-B, que existem direitos negociáveis e outros não. E entre os direitos inegociáveis estão alterações nas anotações da carteira de trabalho.  

“Nos casos em que não há uma relação de emprego, as partes têm a autonomia para decidir se querem um contrato civil, mas, quando estão presentes as relações de emprego, não se pode abandonar o modelo da CLT”, diz. 

Fonte: Valor Econômico

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