Setor de serviços vê trabalho intermitente sem regras claras

Se parte dos empresários comemorou a perda de validade da medida provisória (MP) que promovia ajustes na reforma trabalhista, por garantir que a lei não será mais alterada no curto prazo, os setores de serviços, comércio e turismo viram a caducidade com ressalvas. O principal problema é a falta de regras claras para os contratos intermitentes.

Para advogados e entidades do setor, há lacunas na lei que podem deixar render multas e processos para as empresas que investirem nessa nova modalidade, onde o funcionário é convocado para trabalhar por determinados períodos e recebe por hora trabalhada. Por isso partiu desse setor a demanda para edição de um decreto que regulamente pontos “obscuros” da reforma e que o governo começou a estudar esta semana.

“Há preocupação. A lei traz figura nova, mas não detalha e não regulamenta”, diz Tacianny Machado, assessora jurídica da presidência da Fecomercio-MG. Para ela, contratar o intermitente agora pode ser um risco até que o Judiciário estabeleça jurisprudência. “A empresa tem que avaliar financeiramente se compensa”, aconselha.

Para a advogada Gisela Freire, a insegurança seguirá até a edição do decreto. “A regulamentação não é adequada na lei e nem na medida provisória. Ainda havia aspectos que precisavam ser revistos”, afirma. Ela cita a multa de 50% caso o intermitente não compareça quando convocado. “É uma penalidade excessiva.”

Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (de bares e restaurantes) e da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), pediu a edição do decreto para “esclarecer pontos operacionais do dia a dia”, e comemora a queda da medida provisória. “Era a MP que causava insegurança, pelo grande volume de emendas que poderiam alterar a reforma. O que existe hoje é absolutamente seguro”, defende. Sem a MP, porém, diz ele, empresários do setor de bares e restaurantes ficaram sem referência para definir como será feito o repasse de gorjetas aos funcionários.

Para o diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e vice presidente da FecomercioSP, Ivo Dall’Acqua Junior, há questões que poderiam ser mais detalhadas, mas, na ausência, podem ser negociadas. “Partindo da premissa de que a atualização da CLT valorizou acordos e convenções coletivas, as partes podem negociar, respeitando princípios constitucionais”, afirma. A contratação de intermitentes já é possível, mas o diretor aconselha negociar antes com o sindicato da categoria.

Empresas têm relatado, contudo, dificuldade de convencer os sindicatos de trabalhadores até em questões mais simples, como a periodicidade dos pagamentos das horas trabalhadas e verbas rescisórias (13º e férias proporcionais), se mensal, quinzenal ou semanal. A MP dizia que isso poderia ser negociado. Algumas empresas tentaram incluir na negociação coletiva, mas sem sucesso. “Os sindicatos de trabalhadores têm resistência muito grande porque consideram precarização e não querem colocar isso no acordo”, relata Tacianny.

Um dos problemas mais citados é se os intermitentes serão contabilizados na cota para portadores de deficiência, exigida de empresas com mais de cem funcionários. Se o empregador considerá-los, mas um juiz entender que só os outros tipos de contrato entram na conta, a companhia pode ser multada. A Fecomercio-MG tem recomendado excluí-los do cálculo até regulamentação.

Outra demanda é estabelecer como será realizado o registro de ponto desses funcionários e como será a notificação sobre os chamados para trabalhar. As entidades defendem que os avisos ocorram da forma menos burocrática possível – por Whatsapp, por exemplo.

Também há questionamentos sobre se um funcionário intermitente pode receber valores maiores pela hora trabalhada do que os contratados nos outros regimes – a reforma vetou valores menores. A posição do governo, a princípio, foi positiva, por se tratar de outra forma de contratação. Já sobre dois intermitentes que exercem as mesmas funções ganharem valores diferentes pela hora trabalhada, a resposta inicial é negativa. Mas isso só ficará claro quando sair o decreto do governo, o que se espera que ocorra em cerca de 30 dias.

Há ainda dúvidas sobre quem arcará com os encargos previdenciários de funcionários que receberem, ao longo de um mês, menos de um salário mínimo. Sem esses pagamentos, em tese, o empregado fica sem direito a licença maternidade ou pensão por acidentes no trabalho. A MP determinava que, nesses casos, a empresa pagaria proporcionalmente as horas trabalhadas e, para ter os benefícios, o trabalhador pagaria do próprio bolso o que faltasse do INSS.

Na avaliação das entidades, o pagamento deve ser proporcional, o que deve ser reproduzido no decreto. Mas resta a dúvida sobre como ficarão os benefícios previdenciários deles. E há receio que um futuro governo resolva refazer o decreto para obrigar as empresas a contribuírem o equivalente a todo o salário mínimo.

Embora a “quarentena” de 18 meses entre a demissão de um funcionário contratado por tempo indeterminado e sua recontratação como intermitente tenha caído junto com a MP, parte dos advogados vê risco. Sem prazo definido em lei, um juiz poderá avaliar que a mudança foi fraude trabalhista e punir a empresa.

Fonte: Valor Econômico

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