Uma regra de ouro nas relações de trabalho, por Clemente Ganz Lúcio

Uma das principais atribuições dos sindicatos é promover a ampla proteção coletiva dos trabalhadores e das trabalhadoras, regulando por meio de acordos ou convenções coletivas as regras que regem as relações de trabalho.

Definem assim os parâmetros de correção e de aumento dos salários, de duração e controle da jornada de trabalho, tratam das formas e procedimentos de contratação, dos benefícios diretos e indiretos (auxílio creche, vale transporte, auxílio moradia, etc.), dos adicionais de férias, hora extra, periculosidade, insalubridade, de formação profissional, de regras para promover a igualdade entre homens e mulheres, para combater o racismo, entre outros itens que compõem a pauta sindical e que fazem parte dos processos negociais.

Quem se beneficia e deve seguir as regras estabelecidas em acordos ou convenções coletivas? Todos os trabalhadores e todas as empresas ou somente os seus sócios? A resposta a esta questão define característica essencial de um sistema de relações de trabalho.

Há países no qual o sistema de relações de trabalho define que as regras estabelecidas pelos contratos coletivos protegem e devem ser seguidas somente pelos associados, sejam os trabalhadores, sejam as empresas. Ou seja, de um lado, somente as empresas filiadas a uma organização empresarial que negociou e celebrou uma convenção coletiva terão a obrigação de cumprir suas regras e, de outro lado, somente terão acesso às regras e delas se beneficiarão os trabalhadores sindicalizados. Portanto, neste caso, as empresas não sócias não precisam cumprir aquelas regras estabelecidas nos instrumentos coletivos e os trabalhadores não sindicalizados não têm acesso àqueles direitos ou proteção.

Os países que praticam essa norma consideram os efeitos perversos das exclusões e acabam adotando procedimentos corretivos, como o de atribuir ao governo, à justiça ou ao próprio setor empresarial o direito de estender os benefícios de um contrato coletivo aos trabalhadores não sindicalizados ou vincular as empresas não filiadas para seguirem um determinado contrato coletivo ou, ainda, estas tomam a iniciativa de aderir voluntariamente.

Esses modelos favorecem e incentivam uma concorrência desequilibrada entre empresas, atuam para aumentar as desigualdades salariais, econômicas e sociais; as disputas são mais frequentes e os conflitos em maior número e intensidade.

No Brasil e em muitos outros países, adota-se outra regra que formata um modelo diferente. Há uma sábia regra que vale ouro para o sistema de relações de trabalho e o sistema sindical.

A concepção que fundamenta o nosso sistema de relações de trabalho considera o sindicato uma organização de representação coletiva de interesse geral, tanto dos trabalhadores como dos empregadores. Como tal, as entidades sindicais têm atribuição constitucional para definir as regras que regem as relações de trabalho de todos os que fazem parte de um âmbito de negociação.

De um lado, a representação coletiva reúne todos os trabalhadores como categoria profissional e de outro, todos os empregadores estão agrupados como categoria econômica. Através dessa reunião, expressam seus interesses gerais e específicos delegando aos sindicatos e estes, quando necessário, às suas estruturas verticais, o poder de representação e de pactuação. A atribuição constitucional de definir regras e normas para as relações de trabalho por meio de acordos ou convenções coletivas que são vinculantes para todos os que participam de um âmbito de negociação é uma regra de ouro.

Portanto, no sistema de relações de trabalho brasileiro, o sindicato representa nos processos negociais o coletivo abrangido pelo âmbito de negociação, sócio e não sócio. Essa regra atribui um poder regulador essencial e de alta escala aos sindicatos – de trabalhadores e patronais –, o que repercute em princípios para o exercício dessa representação coletiva.

A experiência e as normas consagraram as assembleias, nas quais participam sócios e não sócios, como a instância de legitimação do sujeito sindical para o exercício da representação coletiva. São as assembleias e os processos de consulta e de deliberação, atualmente também recepcionados pelos meios virtuais e pela internet, o meio de expressão e de processamento deliberativo para autorizar o sindicato a iniciar e conduzir um determinado processo negocial, formar a pauta com as demandas ou propostas das partes, tratar das estratégias e planos de negociação e de campanhas, debater e deliberar sobre cada etapa, tratar da greve ou das mobilizações, deliberar pelo aceite da proposta construída na mesa de negociação, autorizar a assinatura do acordo e a forma de financiar os investimentos no processo negocial e na organização sindical.

Todos devem ser convocados para uma participação que é voluntária, porém deliberativa, autorizatória, com direito propositivo e de oposição. Ausência significa delegação para a deliberação tomada pela maioria.

Essas regras que estendem os termos estabelecidos nas negociações para todos, também denominada de erga omnes, geralmente estão definidas nas leis que regulam o sistema de relações de trabalho, as negociações coletivas e o sistema sindical. A literatura indica que esse modelo simplifica o sistema, reduz custos de transação para as empresas, atua para aumentar a equidade salarial, econômica e social, diminui as disputas entre empresas e reduz os conflitos. Essa regra faz parte do sistema sindical brasileiro e é uma expressão da sua virtude.

Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, consultor, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho da Oxfam Brasil e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020)

*Publicado originalmente em Rádio Peão Brasil

Leia também: “É preciso reconstruir as finanças dos sindicatos”, diz Luiz Marinho

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