Uma carta assinada por 580 especialistas em Direito do Trabalho de 38 países foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) expressando solidariedade à legislação trabalhista no Brasil. Isso porque, na última sexta-feira (23), o plenário do Supremo começou a julgar um caso sobre vínculo empregatício entre um motorista e a Uber.
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Esta é a primeira vez que toda a corte vai julgar o tema, que tem recebido apenas decisões monocráticas. Num primeiro momento, o plenário decidirá se o caso terá repercussão geral, ou seja, se a decisão valerá para todos os processos semelhantes. Se a maioria dos ministros votar favoravelmente pela repercussão geral, o mérito da questão – se há ou não vínculo de emprego – será analisado.
O documento afirma que a decisão pode ter “consequências catastróficas”. Para o idealizador do manifesto, Rodrigo Carelli, o julgamento pode, na prática, tornar o vínculo de emprego facultativo.
Consequências amplas
Carelli, que é procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que a negativa de vínculo entre motorista e plataforma pode ir muito além do universo dos aplicativos e se tornar uma nova reforma trabalhista, ao esvaziar de vez a proteção que a legislação ainda oferece aos trabalhadores.
A expectativa é de que a maioria dos ministros vote pela não existência de vínculo, seguindo a tendência das decisões que têm tomado individualmente, muitas das vezes revertendo os julgamentos dos tribunais trabalhistas em recursos apresentados pelas plataformas.
Além disso, os ministros podem até mesmo retirar a competência dos magistrados trabalhistas para julgar casos semelhantes, uma vez que decisões monocráticas já chegaram a sustentar que os contratos firmados entre as plataformas e os prestadores de serviço têm natureza civil, e não trabalhista.
Se este entendimento se estender a todos os processos similares, eles seriam remetidos à Justiça Comum, em vez da Justiça do Trabalho, que na maioria das vezes toma decisões em prol do vínculo e determina a assinatura da carteira dos trabalhadores.
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“A possibilidade de assinar contratos civis sem desfrutar de direitos trabalhistas significará que todo empregador exigirá que seus funcionários assinem contratos civis apenas para escapar da proteção trabalhista”, aponta o manifesto. “Isso aumentará exponencialmente o que já está acontecendo no Brasil: a evasão em massa da legislação trabalhista por meio de contratos fraudulentos, que hoje só é impedida pelas ações das instituições de proteção trabalhista, incluindo a Justiça do Trabalho, que será completamente esvaziada de suas funções institucionais, se a tendência for adotada como uma tese definitiva e vinculante”, prossegue o texto.
Recomendação internacional
Para Carelli, estender a negativa de vínculo para todos os casos também contraria a Recomendação 198 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual, “a determinação da existência de tal relação deve ser guiada primeiramente pelos fatos”. Ou seja, a repercussão geral pode tirar dos juízes a competência de analisar as especificidades de casa situação.
“Cada plataforma é de um jeito. Existem aquelas que não realizam controle nenhum. Por outro lado, há empresas que realizam um controle bem forte”, explica.
A carta argumenta ainda que a tese de que não há vínculo entre trabalhador e empresa vai contra a jurisprudência vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que estabelece que “os Estados devem reconhecer os trabalhadores como empregados se, de fato, forem empregados, prevalecendo a realidade fática sobre o nomen juris [nome jurídico] adotado no contrato”.
“Se essa tese for adotada, o Brasil estará se afastando da prática usual dos tribunais ao redor do mundo e violará uma série de tratados de direitos humanos que assinou”, acrescenta o manifesto.
O maior temor dos signatários vai além do caso de motoristas e entregadores, que hoje já são milhões de trabalhadores, mas que a decisão do STF estimule todos os empregadores – e não apenas os aplicativos – a argumentarem que possuem contratos civis com seus funcionários, fugindo de custos e direitos trabalhistas.
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Com informações de UOL
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil