Apesar da queda no desemprego, a quantidade de trabalhadores que formalmente estão empregados, mas não recebem pagamento todos os meses tem crescido no Brasil, apontou reportagem do Brasil de Fato. Trata-se do grupo de pessoas em trabalho intermitente, modalidade criada pela reforma trabalhista de 2017.
De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 5,86% das vagas de emprego com carteira assinada criadas no Brasil no ano passado foram de trabalho intermitente. Em 2021, o percentual era de 3,33% e em 2022, 4,41%.
O trabalho intermitente é aquele em que o funcionário não tem uma jornada fixa a cumprir, trabalhando apenas quando é convocado pelo patrão para cumprir tarefas de acordo com a necessidade da empresa.
Como recebe apenas o valor proporcional às horas trabalhadas, não há qualquer garantia de que ele terá algum pagamento no mês, uma vez que é possível não ser convocado por todo o período e nada receber.
“É um trabalho precário, que conta para as estatísticas, mas não é algo que gere valor, qualidade de vida”, afirmou Maria Vitória Costaldello Ferreira, advogada, mestre em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Assim como o trabalho temporário e de aprendiz, o trabalho intermitente é considerado “não típico”. Segundo estimativa do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 5,3 milhões dos 43,9 milhões de trabalhadores formais no país no final de 2023 estavam em contratos não típicos.
Leia também: Mulheres que trabalham têm renda 20% menor que homens, e desemprego é maior entre elas
Em entrevista coletiva no final de janeiro, a subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho do MTE, Paula Montagner, revelou que 66% dos empregados intermitentes não trabalham e nada recebem.
“A gente tem verificado recorrentemente que dois terços dos trabalhadores intermitentes têm contrato, mas não tem hora trabalhada nem salário. Existe a potencialidade, mas eles não têm trabalho na prática e muito menos rendimento”, disse.
Os dados representam uma piora em relação aos observados pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em 2021, com base nos números do MTE. Naquele ano, 20% dos trabalhadores intermitentes ficaram sem trabalhar, sendo o pior índice em dezembro, quando 46% não trabalharam.
Segundo o levantamento do Dieese, esses trabalhadores ganharam em média R$ 888 por mês naquele ano, quando o salário mínimo era de R$ 1.100.
Para o economista Gustavo Monteiro, que trabalha no Dieese e ajudou a levantar os dados, o cenário é preocupante pois essa modalidade não nem a renda mínima para a subsistência do trabalhador, além de estar ganhando espaço em setores que historicamente geravam empregos estáveis com salários razoáveis.
“Esse contrato foi criado com a expectativa de que fosse muito usado nos serviços de alimentação, para garçons e caixas de restaurante, por exemplo. Mas já temos esse contrato na indústria, na construção civil e no comércio também”, explicou em entrevista ao Brasil de Fato.
Foto: sessão de aprovação da Reforma Trabalhista pela Câmara dos Deputados em 2017. Por Antônio Cruz/Agência Brasil