Ações trabalhistas caem 35%; na contramão, as ligadas ao coronavírus disparam

Distanciamento dificulta contato entre advogado e cliente e trava processos; tendência é de alta nos próximos meses

Os efeitos da crise do coronavírus chegaram à Justiça do Trabalho ao mesmo tempo que a Covid-19 avança e as demissões aumentam no Brasil. As consequências já se refletem em números.

A quantidade de novas ações em primeira instância caiu em abril, enquanto os pedidos relacionados à doença explodiram, segundo dados do TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Em abril, foram apresentados 108,4 mil processos no país, queda de 35% sobre abril de 2019 (166,1 mil) e de 26% ante março deste ano (146,7 mil).

Trata-se do primeiro mês com dados completos após a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarar, em 11 de março, a pandemia. Desde então, municípios e estados adotaram o distanciamento social.

Dados preliminares do TST obtidos pela Folha mostram que em abril chegaram às varas 1.107 ações relacionadas à Covid-19. A alta foi de 522% em relação a março (178). A doença surgiu na China no fim do ano passado.

O levantamento abrange varas de 15 dos 24 TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho). Os maiores do país estão contemplados no balanço: São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Minas e Bahia. Desde janeiro, são 1.747 processos com o tema Covid —dos quais 295 em TRTs e 8 já no TST.

O corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, afirma que os dados espelham um momento sem precedentes.

“A Covid vai refletir nas relações de trabalho e haverá busca por certa prestação jurisdicional. Há os mais vulneráveis que dependem da Justiça para receber parcelas que dizem respeito à natureza alimentar”, afirma.

Segundo o ministro, o aumento dos processos dependerá da curva de contaminação. “A princípio há [expectativa de crescimento de ações relacionadas à Covid-19]. Nós estamos em um momento de ascensão absoluta dos números, dobrando a cada semana”, afirma.

Trabalhadores desligados que se sentem lesados podem reivindicar na Justiça indenizações. Os três principais pedidos são por irregularidades no aviso prévio, no FGTS e nas verbas rescisórias.

“Enquanto houver isolamento social, haverá o fechamento das atividades, muita gente sendo demitida, rompimento de contrato de trabalho e conflitos existentes dos próprios efeitos da pandemia.”

Esse cenário tende a impactar ainda mais os números, diz o ministro. “A Justiça do Trabalho é um termômetro da crise. Então, ela está oscilando de acordo com a crise”, afirma Veiga.

Um indicador de corte de vagas vem crescendo.

Em abril, foram 748 mil pedidos de seguro-desemprego, ante 613 mil no mesmo mês de 2019, segundo o Ministério da Economia —alta de 22%.

O governo estima que 250 mil trabalhadores demitidos sem justa causa estejam aptos a receber o auxílio, mas ainda não fizeram o pedido. O valor do benefício temporário varia de R$ 1.045 a R$ 1.813,03.

Em tempos de crise, o número de ações trabalhistas tende a crescer, e não diminuir. De 2015 a 2017, por exemplo, a Justiça bateu recordes de processos ajuizados.

“A Justiça do Trabalho é uma Justiça de desempregados. São trabalhadores que após o término do contrato procuram auxílio”, diz Otavio Pinto e Silva, sócio do Siqueira Castro e professor da USP.

“Se sobe o número de trabalhadores desempregados, dos contratos rescindidos, a tendência é que suba o número de novas ações ajuizadas”, afirma Silva.

A realidade na Justiça, porém, mudou após a reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB). Alterações na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) entraram em vigor em 11 de novembro de 2017.

Com a reforma, o trabalhador passou a ter de pagar, em caso de derrota, os chamados honorários de sucumbência ao advogado do empregador. A regra freou o ritmo de novas ações.

Desde então, o volume de processos ajuizados em abril deste ano é o terceiro menor. O mês passado só não registrou menos processos do que dezembro de 2017 (85,4 mil) e janeiro de 2018 (90,6 mil).

“Quando se transferiu o risco [os honorários] para o empregado, diminuiu bastante o número de ações. Muitos que eram aventureiros desistiram”, afirma Antonio Carlos Frugis, sócio do Soto Frugis.

Agora o motivo da queda no cômputo geral é o novo coronavírus.

As medidas de distanciamento social impactaram o dia a dia das varas. Trabalhadores e empregadores recorrem a elas para solucionar conflitos.

Embora o processo hoje seja digitalizado, falta a clientes e advogados contato para tratar dos pedidos da ação e até mesmo meios tecnológicos que garantam a discussão dos pontos reivindicados.

“A pandemia dificulta a comunicação do reclamante, o ex-empregado, com o advogado”, diz Frugis.

A Justiça do Trabalho tenta contornar os efeitos da pandemia. Magistrados e servidores estão em home office. Audiências e julgamentos são realizados por videoconferência.

As demandas nesse novo ambiente virtual tendem, porém, a crescer. Segundo os especialistas, processos que levam de dois a três meses para serem elaborados pelos advogados estão represados.

Frugis diz ainda que novos pleitos surgirão com as medidas baixadas pelo governo Jair Bolsonaro para enfrentar os efeitos da pandemia na economia.

Segundo ele, agora as empresas estão suspendendo contratos de trabalho e reduzindo jornada e salário.

“Se não der [para conter a crise], vão mandar um monte de gente embora. O número de demissões será algo enorme a partir de julho, agosto”, diz. “Então, o pior está por vir.”

Não só caiu o número de processos recebidos na primeira instância da Justiça do Trabalho como nunca tão poucas ações foram julgadas em um mês de abril.

A queda no número de julgamentos foi de 63,5% em relação ao mesmo mês de 2019. No mês passado, foram julgados 70,9 mil processos, ante 194,1 mil em abril do ano passado.

A suspensão de prazos processuais, da segunda quinzena de março até o dia 4 deste mês, explica os números.

“Isso é o momento da adaptação, um mês da adaptação. Levou a um tempo de adaptação, que não foi muito longo, mas isso afeta o tempo de julgamento. É preciso que haja aumento, e a Corregedoria está atenta”, diz Veiga, do TST.

Fonte: Folha de S. Paulo

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