O último painel de debates do Encontro da Executiva Nacional da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), ocorrido no fim da tarde desta sexta-feira (25), teve como tema central a transição tecnológica e o futuro do trabalho no âmbito da revolução digital que o mundo atravessa.
Economista e presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann opinou que, em sua visão, o Brasil está atravessando uma mudança de época só comparável à abolição da escravatura – e a consolidação do trabalho livre – e à Revolução de 30, que transformou a sociedade brasileira, que deixou de ser agrária e arcaica papara se tornar industrial e urbana.
“Estamos vivendo uma profunda transformação, e o conceito do trabalho da era industrial é insuficiente. Hoje, cerca de 22 milhões de pessoas no país vivem das redes sociais. É um mundo novo, que abre uma agenda de entendermos essa nova realidade”, afirmou.

Pochmann ressaltou que o movimento sindical precisa perceber uma mudança geoeconômica que tornará o país uma nação bioceânica, com a abertura de cinco rotas que integrarão o Brasil com países que saída para o Oceano Pacífico. Segundo o presidente do IBGE, essa mudança impulsionará um processo já existente de interiorização do Brasil, com a população crescendo em maior escala em regiões centrais, afastadas dos litorais.
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O economista alertou sobre os desafios que se apresentam no campo demográfico, como a redução da população brasileira a partir de 2040 e a previsão de que em 2050 70% da classe trabalhadora terá nascido em família pobres ou miseráveis. “O movimento sindical precisa se posicionar sobre esses temas”, defendeu.
Pandemia acelerou transformações
Victor Pagani, diretor de Relações Sindicais do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), seguiu na mesma linha de Pochmann, destacando que a pandemia de Covid-19 acelerou transformações na sociedade, entre elas as inovações tecnológicas. Ele opinou que o surgimento de tecnologias como o 5G e a popularização dos smartphones impactaram o mundo do trabalho e as relações humanas como um todo.
“Quando nos sentávamos para ouvir rádio ou assistir TV, fazíamos ao lado da família, de amigos. Hoje, a pessoa acessa a rede social sozinha, de forma solitária. Isso está mudando as relações humanas e pode causar sérios danos, como temos visto, se não houver regulamentação”, avaliou.

Pagani citou que apesar do fato de avanço tecnológico ter aumentado a produtividade do trabalho, a revolução digital está causando, entre outras coisas, a perda da autonomia do trabalhador e o aumento da intensidade do trabalho, sob vigilância de ferramentas como a Inteligência Artificial (IA). “Esse avanço precisa vir acompanhado pela divisão da riqueza e o aumento real do salário”, disse.
O diretor do Dieese lembrou da recente decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que suspendeu todas as ações a respeito da “pejotização” no país, sob a justificativa de uniformizar o entendimento sobre o tema. “Estamos em um momento em que podemos perder todos os direitos trabalhistas”, alertou.
Desafios do movimento sindical
O sociólogo e coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, Clemente Ganz, apontou os inúmeros desafios que o movimento sindical, sobretudo as centrais, tem pela frente. Ganz relembrou que o sindicalismo brasileiro alcançou conquistas históricas ao longo das últimas décadas, ajudando a derrubar a ditadura militar (1964-1985) e no processo de redemocratização do Brasil.
“Estamos certos (como movimento sindical) em olhar para o retrovisor, não foi pouco o que fizemos ao longo da história, mas se só fizermos isso, o movimento sindical vai sofrer um grave acidente”, argumentou, alertando sobre a necessidade de “entender o que está vindo pela frente”.

O sociólogo defendeu a importância da participação de jovens trabalhadores nas discussões das centrais sindicais acerca do futuro do trabalho, visto que estes trabalhadores serão os protagonistas da luta sindical nas próximas décadas.
“É preciso ter clareza sobre qual é a pauta central dessa moçada, que precisa participar ativamente da construção dessa pauta”, finalizou, citando como exemplo as discussões sobre a regulamentação do trabalho de entregadores e motoristas por aplicativo.
Exploração disfarçada de modernidade
Presidente da CSB, Antonio Neto denunciou a ilegalidade da atuação dessas plataformas por aplicativo, afirmando que os trabalhadores se arriscam pelas ruas sem nenhuma proteção trabalhista e social em troca de salários baixíssimos. “O futuro do trabalho passa por enfrentarmos essa exploração disfarçada de modernidade”.
Ele classificou o aprofundamento do processo de “pejotização” no país como mais um processo de exploração disfarçado de modernidade. “A ‘pejotização’ foi uma forma deslavada de proteger o capital”, disparou, explicando que a prática prejudica não somente a classe trabalhadora, mas o próprio Estado, que sofre perdas na arrecadação, visto que “o PJ não paga imposto de renda”.

Neto apontou que é preciso entender e se apropriar das novas tecnologias e utilizá-las em favor da luta dos trabalhadores. “Essa transformação tecnológica passa primeiro pelas nossas cabeças”, ponderou, ressaltando que outro desafio a ser enfrentado é criar formas de trazer a juventude para dentro dos sindicatos. “Precisamos ganhar a juventude. É preciso mesclar a experiência com a juventude para ajudar a formar essa turma que está chegando”.
O líder sindical refletiu sobre o advento da Inteligência Artificial, discordando do termo: “IA não é inteligência, é consciência artificial. Inteligência envolve sentimentos, sensações, e só o Homem possui os cinco sentidos. Máquina não tem emoção, apenas processa dados produzidos pelo ser humano”.
Fotos: divulgação/CSB