Nunca houve desmonte tão grande dos direitos trabalhistas, diz economista

A reforma trabalhista aprovada no Senado obedece a uma lógica favorável às empresas, e não aos trabalhadores, afirma o economista José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisar do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho.

“A regulação do mercado de trabalho não foi criada para seguir uma lógica apenas econômica, mas para preservar a vida das pessoas e garantir que a relação entre o capital e o trabalho não seja tão assimétrica”, defende.

O economista diz ainda que não há nenhuma prova de que as mudanças propostas vão gerar mais empregos ou incentivar a formalização do mercado de trabalho.

Veja a entrevista que Krein deu à Folha por telefone.

A principal mudança na reforma trabalhista é de prevalência do negociado sobre o legislado. Há quem diga que isso fortalece os sindicatos; outros, que os enfraquece. Qual é a sua posição?
Enfraquecimento, por conta das alterações estruturais [como o aumento do setor de serviços] que levaram à fragmentação da base do sindicalismo. A reforma vai aprofundar ainda mais com a liberação da terceirização, [com] os trabalhadores divididos em muitos sindicatos diferenciados. Ou seja, a reforma aprofunda essa fragmentação, ela cria mais divisões e menor capacidade de ação coletiva para estabelecer regras mais favoráveis aos trabalhadores.

Você diz que o trabalho intermitente aumenta a insegurança do trabalhador, mas ao mesmo tempo ele não estaria formalizando quem vive hoje à margem, fazendo bicos?
A empresa vai te pagar no momento que ela precisar de você. Isso é o cúmulo da precarização do trabalho. É uma das coisas mais draconianas que está se propondo na reforma trabalhista. Além disso, tem um efeito devastador sobre a seguridade social. Primeiro, para conseguir o tempo de contribuição, mas também como fonte de financiamento. Não há nenhuma evidência para dizer que o contrato intermitente vai formalizar. Até onde formalizar, vai ser numa situação absolutamente precária. Você muda a estatística, mas não a realidade de vida das pessoas.

A regulação do mercado de trabalho não foi criada para seguir uma lógica apenas econômica, mas para preservar a vida das pessoas e garantir que a relação entre o capital e o trabalho não seja tão assimétrica. Há um ou outro trabalhador mais qualificado que pode ter vantagem, mas isso é uma minoria. Tem que atualizar a lei, mas a partir de um princípio de proteção do trabalhador.

Houve em algum outro momento alterações tão profundas sobre a CLT?

Nunca houve avanço tão grande sobre os direitos trabalhistas. Você tem às vezes medidas pontuais, mas essa reforma é uma desconstrução completa do nosso código de trabalho. Você vai fragilizar a regulação geral em nome da negociação particular por setores. Nos anos 2000 você tem uma melhora substantiva da economia, o que alivia a pressão em torno da reforma. Ao mesmo tempo, tinha uma força de contraposição que impedia que essa legislação entrasse para valer.

Agora, quando aparece a crise econômica aqui, a reforma apareceu com força, já em 2012 você vê a agenda da CNI e a agenda legislativa do Congresso. Aí eles colocam como tema prioritário a reforma trabalhista, assim como redução dos impostos, que é onde eles podem ganhar com mais facilidade. E o governo aceitou essa pauta. A Dilma [Rousseff] já começou a aceitar quando fez aquela MP do seguro-desemprego e abono salarial, aquilo já era sinal de que ela começou a aceitar.

Tudo isso cresce muito desde 2013, até porque o governo está mais fragilizado. Uma coisa que me impressionou muito é a redução do horário de almoço, coisa que eu achava que não ia ouvir mais.
O problema é que consumir a força de trabalho, conforme sua necessidade, não constrói o país. Isso vai reduzir salários, vai reduzir demanda, e criar dificuldades adicionais para a retomada da economia.

As centrais têm capitaneado os movimentos de rua contra as reformas. Esse papel fortalece as entidades aos olhos dos trabalhadores ou instiga a visão de “baderneiros”?
O sindicato historicamente sempre foi uma instituição rejeitada por uma parte da sociedade. Isso é histórico. Até porque é uma instituição de contraposição ao que é hegemônico na sociedade. O sindicato não pode se amedrontar de ser contraponto porque ele é uma expressão de que existem interesses diferentes na sociedade. Ter uma política mais clara de contraposição às reformas é uma oportunidade para se fortalecer na sociedade, de vocalizar os segmentos que estão sendo penalizados pelas reformas em curso. Inclusive o crescimento da sindicalização aqui tem a ver exatamente com esse papel que o sindicato começa a assumir. Não tem que ter medo do confronto porque ele expressa uma posição de classe na sociedade.

Desde 2013, o número de sindicalizados vem aumentando. Por quê?
Em um ambiente de mercado de trabalho mais precarizado, de insegurança para os trabalhadores, eles vão buscar em algum lugar um ponto seguro para se defender. A principal resposta para se sindicalizar, segundo pesquisa feita pelo IBGE, é por acreditar que ele é responsável pela defesa de direitos. Não é por conta dos serviços oferecidos, nada disso. Então há um certo reconhecimento entre os trabalhadores, mesmo que os sindicatos estejam perdendo força, de que os sindicatos são algo importante. Isso é muito positivo, porque não acho que podemos ter uma sociedade democrática e civilizada sem a presença de um movimento sindical com trabalhadores organizados que possam se contrapor à lógica do mercado. Uma sociedade baseada nas ideias do mercado autorregulado, hegemônicas nos últimos tempos, ela tende a não ter coesão social, ela tende a romper o tecido social. Então há uma certa recuperação da sindicalização nesse período recente em razão do reconhecimento do sindicato como defensor de direitos, e isso é positivo para o país.

O que explica a crise de representatividade que atinge o movimento sindical?
A crise do sindicalismo tem a ver com o processo de globalização que favoreceu muito as empresas, que puderam pressionar os sindicatos que não aceitassem suas regras com o argumento de fazer investimento em outros países. O movimento sindical também perdeu base com a ampliação de setores como o de serviços, de categorias muito fragmentadas. Há também uma visão hegemônica no mundo de crise de representatividade. Você tem que entender o enfraquecimento nesse processo. Mas há muitos indicadores que mostram que o movimento sindical se fortaleceu. O número de greves e de filiados voltou a crescer. O resultado das negociações salariais foram favoráveis às categorias nos últimos anos. Então o sindicalismo brasileiro, em relação ao mundo, se fragilizou menos. É verdade que o movimento sindical, como todas as instituições políticas, perderam credibilidade nos últimos anos. Na minha opinião, isso tem a ver com essas mudanças mais gerais que foram acontecendo no mercado de trabalho, na economia, em sua organização, e também há essa tese de você fortalecer essa perspectiva de jogar sobre o indivíduo a responsabilidade sobre sua inserção no mercado de trabalho. Como vou melhorar minha condição de vida? Vou apostar na ação coletiva ou na minha qualificação para competir com o outro? Então o que prevaleceu foi essa competição entre os indivíduos, num quadro de maior precariedade, e isso anda contra a ação coletiva, porque o sindicato tem que apostar na solidariedade.

O mercado de trabalho vem passando por mudanças estruturais, como o aumento do setor de serviços, cuja natureza dificulta a organização coletiva. Como o movimento sindical tem se adaptado a esse processo?
De fato, você tem uma classe trabalhadora mais fragmentada. Então você torna ainda mais importante nesse contexto estabelecer parâmetros civilizados na legislação para o conjunto de trabalhadores menos organizados conseguirem sobreviver. Os setores mais organizados conseguem se defender, têm poder de barganha. Por isso torna mais importante a ação dos sindicatos nos parâmetros inscritos no marco legal. Diante do mercado de trabalho mais fragmentado, com a terceirização, quanto mais você descentralizar as decisões das regras que vão definir a relação de emprego, mais você estará fragilizando o movimento sindical. Então você tem que organizar os trabalhadores na defesa de certos princípios para se defender dessas mudanças.

Fonte: Folha de S. Paulo

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