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Reação de juízes contrários à reforma trabalhista gera incertezas

Reação de juízes contrários à reforma trabalhista gera incertezas

A reforma trabalhista corre o risco de perder força nos tribunais. A menos de dois meses de entrar em vigor, o texto divide opiniões de juízes, e parte dos magistrados já prevê a não aplicação de alguns trechos da legislação, por considerarem que os dispositivos são contra a Constituição Federal ou outras leis, como o Código Civil. Para advogados, que percebem um judiciário reativo, esse cenário causa um clima de insegurança jurídica, que pode só ser resolvido em uma eventual decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

As principais críticas vêm da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que se posiciona de forma contrária à reforma desde o início das discussões sobre a matéria. Na avaliação da entidade, a reforma fere o artigo 7º da Constituição ao estabelecer que o trabalhador autônomo não se enquadra na definição de empregado descrita na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, esse tipo de funcionário não teria as garantias da relação de emprego previstas na Constituição.

Entenda as principais mudanças

Segundo Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, a questão pode ser levada em consideração por juízes independentemente de uma ação de inconstitucionalidade junto ao STF. Hoje, a Corte já analisa uma ação protocolada no fim de agosto pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que questiona pontos relacionados ao acesso à Justiça gratuita.

— Há dois tipos de controle de constitucionalidade. Primeiro, o concentrado, analisado pelo STF. Uma segunda modalidade, muito própria do modelo norte-americano, é a do controle difuso, que significa que qualquer juiz pode afastar a eficácia de um texto se o considerar inconstitucional — afirma Feliciano.

A juíza do trabalho Valdete Souto Severo, do Rio Grande do Sul, faz parte do grupo de magistrados dispostos a não aplicar a reforma. Um dos pontos questionados por ela é a previsão de que as demissões coletivas não precisem de prévia negociação com o sindicato. Na interpretação da especialista, o artigo contraria a convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que recomenda a negociação prévia. Já no artigo que prevê que a indenização por danos morais deve ser calculada com base no salário do empregado, a magistrada vê conflito com o Código Civil, que determina que o valor deve ser definido pelo juiz.

— Os juízes não estão resistindo à lei simplesmente por resistir. O que está ocorrendo se dá pelo fato de que essa lei, em vários momentos, contraria a Constituição, a própria CLT e nega questões básicas do direito do trabalho. Os juízes do trabalho, gostando ou não da lei, terão de enfrentar essas incoerências — afirma Valdete.

Um dos autores do texto da reforma, o juiz Marlos Melek, do Paraná, rebate as críticas. Ele acredita que ainda há falta de conhecimento sobre os detalhes da reforma.
— Consigo sentir que, depois da aprovação da reforma, as pessoas têm pensado dentro do Judiciário com mais racionalidade e menos emoção — diz.

Para Melek, o artigo sobre os autônomos foi mal interpretado pelos críticos, que não levaram em consideração que já existe uma legislação que regulamenta esse tipo de trabalhador. Em relação ao dispositivo sobre demissões coletivas, ele destaca que a ideia foi adequar a legislação à vida prática das empresas:
— Claro que, num primeiro momento, quando você lê que a dispensa em massa não precisa ser negociada com o sindicato, há um susto. Mas o argumento é que, todas as vezes que crio uma trava nas dispensas, estou criando travas para contratação. Se a empresa tem liberdade para dispensar cem, pode contratar cem. Se o empresário sabe que vai ter uma trava para dispensar, não contrata. Além disso, temos que observar que às vezes a grande dispensa é necessária em uma empresa para manter os outros trabalhadores recebendo salários.

Na avaliação de juízes contrários e favoráveis à reforma, os magistrados terão liberdade para interpretar a legislação, o que pode significar uma batalha jurídica. Enquanto as primeiras decisões não começam a aparecer, advogados trabalhistas já sentem o clima de incerteza. A percepção é que o Judiciário reagiu mal à nova legislação, embora não haja uma estimativa exata de quantos magistrados estão contrários ao texto.
— Temos ouvido muitos juízes propondo um verdadeiro boicote ou pelo menos um fechar de olhos às mudanças previstas na reforma. É um movimento de contrarreforma judicial. Os juízes têm poder para não aplicar dispositivos da reforma. A questão é se isso vai se prolongar. No fundo, quem vai ter que botar a pá de cal vai ser o STF. Até se chegar à pacificação, pode levar anos — avalia Luiz Marcelo Góis, sócio da área trabalhista do BMA — Barbosa, Müssnich, Aragão.

O advogado Luiz Guilherme Migliora, sócio do Veirano Advogados, tem visão semelhante:
— Há um entusiasmo com vários pontos da reforma que são de fato alívios, como equiparação salarial, banco de horas individual, toda a lista dos itens em que o negociado vale mais que o legislado. Mas existe uma cautela sobre como o Judiciário vai se comportar. Acho a cautela muito justa, porque o Judiciário está ressentido.

Já Caroline Marchi, sócia da Machado Meyer, destaca que o cenário impede o planejamento das empresas, que ainda vivem a incerteza sobre a falta de previsão para a publicação da medida provisória (MP) que altera pontos da nova lei:
— O objetivo de ter um ambiente mais propício para os negócios acaba sendo um pouco minado em razão desses entraves, tanto da MP como da reação do Judiciário.

Fonte: Fsindical