O monopólio de patentes resulta em remédios até cem vezes mais caros que o custo de produção. Quanto maior o sofrimento, maior o lucro
A legislação de propriedade intelectual inclui um aspecto claramente prejudicial aos países em desenvolvimento e a pequenas empresas.
Uma patente confere ao seu detentor monopólio de um mercado. As vantagens advindas se traduzem em maior rendimento e, portanto, maior disponibilidade financeira para pesquisas e, consequentemente, maior número de patentes. Cria-se um círculo vicioso nefasto.
Historicamente, esse malefício foi compensado com a exigência de manufatura em território do país cedente. Todavia, em finais da década de 1990, o Brasil e a maioria dos países em desenvolvimento, pressionados pelos industrializados, aceitaram acordo internacional segundo o qual, no setor de medicamentos, seriam permitidas importações de produtos patenteados em substituição à produção interna. Como consequência, no Brasil, 1.050 unidades de produção foram extintas e 350 novos projetos foram abandonados no setor de química fina.
A justificativa para a aceitação dessa reversão conceitual era a de que não haveria escala no mercado brasileiro. Ora, será que os empresários daquelas 1.050 unidades de produção recém-criadas e os dos 350 projetos não sabiam disso quando fizeram seus investimentos?
Hoje, até mesmo a insistente afirmativa do setor multinacional de que o sistema de patentes é um estímulo à pesquisa está sendo amplamente contestada. Aliás, toda evidência é de que reserva de mercado é um empecilho ao desenvolvimento tecnológico.
É trágica a observação de que, em setores essenciais para a saúde (câncer, Aids etc.), esse monopólio resulta em preços de medicamentos entre 20 e 100 vezes superiores aos custos de produção. Quanto maior o sofrimento, maior o lucro.
O crescimento exorbitante de um parasitário complexo dedicado ao litígio judicial prova que o atual sistema de patentes já é obsoleto e prejudicial. Basta lembrar que um grande número de empresas no mundo gasta com litígios (US$ 500 bilhões de 1990 a 2010) mais do que com pesquisas.
Nossa proposta é simples, natural e em absoluto acordo com a economia de mercado e com tratados internacionais.
1. O governo concederá direito de produção ou importação que inclua uma ou mais inovações a qualquer solicitação, contanto que todas as informações necessárias à fabricação do produto sejam divulgadas. Preços serão determinados pelo próprio produtor.
2. Entidade oficial calculará o valor dos custos médios para inovação e desenvolvimento de produtos e processos específicos para cada setor industrial.
3. O governo concederá a qualquer empresa nacional permissão para produzir o item em questão, contanto que seja pago ao concessionário original o valor determinado pelo procedimento. Com isso, os preços ficam autorregulamentados. Preços abusivos obteriam competição imediata. Para que o concessionário original possa se manter no mercado, os preços teriam que ser justos, pois as vantagens advindas seriam benefício suficiente para o concessionário original.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 82, físico, é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha
Fonte: Folha de S.Paulo