Webinário do MPT: Juventude brasileira enfrenta “tempestade perfeita” contra o sindicalismo

A relação entre a juventude e os sindicatos foi o tema de mais um debate promovido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), desta vez em forma de webinário, transmitido nesta quinta-feira (6) no canal do Youtube do MPT (assista a íntegra aqui).

O webinário foi apresentado pelo procurador Bernardo Leôncio Coelho, gerente do projeto estratégico do MPT “Sindicalismo e Juventude”, e mediado pela procuradora Priscila Moreto de Paula, vice-coordenadora nacional da Conalis (Coordenação Nacional de Liberdade Sindical).

Os palestrantes foram o sociólogo e professor da UFRJ Marco Aurélio Santana e o sociólogo e professor da USP Ruy Braga, que em 28 de maio participou de uma mesa de debate ao lado da CSB em outro evento promovido pelo MPT em parceria com as centrais sindicais.

Os professores compartilharam alguns fatos que descobriram durante anos de pesquisa sobre o sindicalismo e fizeram uma análise de alguns motivos que podem ter causado afastamento da juventude das atividades sindicais. Confira alguns fatores apontados:

Precarização

Santana começou apontando que o Brasil tem cerca de 50 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos – cerca de 25% da população total – sendo que ¼ desses jovens não trabalham e nem estudam. Dentre os “nem-nem”, 64% são mulheres e 44% são mulheres negras, que acabam tendo a imposição de se dedicar ao trabalho doméstico e cuidados familiares não remunerados.

“Falar de juventude trabalhadora é nos conduzir diretamente às questões da dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, a entrada subalterna e precária nesse mercado, ao desemprego, a ausência de proteção social, direitos sindicais e, portanto, sem voz coletiva em seus locais de trabalho”, afirmou.

“Historicamente, os jovens entrantes no mercado de trabalho encontram-se submetidos às condições mais degradantes de trabalho, às condições mais degradantes de remuneração. Eles são os primeiros a serem demitidos, são os últimos a serem admitidos novamente, principalmente pelo fato de que são considerados trabalhadores inexperientes e os custos de demissão são menores, os custos de treinamento e de formação são maiores. Então toda vez que há algum tipo de volatilidade no mercado de trabalho a juventude inserida nesses postos de trabalho subalternos são os grupos imediatamente atingidos pelas políticas de ajuste das empresas”, explicou Braga.

De acordo com Santana, o cenário enfrentado pela juventude trabalhadora brasileira forma o que sindicalistas ingleses chamam de a “tempestade perfeita” para afastá-los do sindicalismo, com trabalho precário, aprisionamento em setores de baixos salários, estagnação salarial por falta de mobilidade profissional, poucas oportunidades de qualificação e falta de representação coletiva.

“Pensar o processo de sindicalização precisa levar em conta não apenas as escolhas individuais, mas também fatores outros importantes, por exemplo, como as mudanças no mundo do trabalho a sua nova configuração e também principalmente a forte atuação antissindical, que é bastante presente atualmente”, acrescentou.

Ação antissindical

“O que algumas pesquisas vêm mostrando é que a não filiação aos sindicatos pelos jovens não quer dizer necessariamente rejeição ao dos sindicatos pelos jovens. Esse é um processo bem mais complexo que inclui um conjunto de determinações. Além disso, falta de engajamento dos jovens nas entidades não quer dizer necessariamente falta de reconhecimento das entidades pelos jovens, o que aqui há um alerta interessante que filiação é diferente de engajamento. “Trabalhadores e trabalhadoras que desenvolvem suas trajetórias no mercado de trabalho em um ambiente no qual a sindicalização é constrangida”, pontuou Marco Santana.

“Não é por acaso que em muitas experiências analisadas o desejo individual de se sindicalizar cresce após trabalhadores e trabalhadoras terem experiências e contato com o sindicalismo, com práticas sindicais de organização em seus locais de trabalho. Nesses termos podemos pensar que a baixa propensão pode decorrer do fato de que os jovens trabalhadores e trabalhadoras estarem menos expostos aos benefícios da sindicalização”.

“Esses pontos indicam claramente o porquê de o neoliberalismo se esmerar tanto no sentido de retirar os sindicatos do horizonte do mundo do trabalho, em particular, e da vida social, em geral, inclusive na tentativa de retirar o conflito [de classes] do universo de sentidos, trocando [o termo] trabalhador ou classe trabalhadora por colaborador, parceiro, empreendedor. Então na própria ideia de colaborador a questão do conflito está afastada, porque colaborar é trabalhar junto, não é conflitar”, explicou.

Representatividade

Santana propôs uma reflexão aos sindicatos na hora de pensar como atrair a juventude:

“Será que a juventude trabalhadora vê suas demandas e questões representadas nas estruturas e ações dos sindicatos? Será que a juventude trabalhadora vê os sindicatos como algo que pode ser feito por e para elas? Será que a juventude trabalhadora vê os seus iguais assumindo postos e papéis nas entidades sindicais inclusive em termos de direção?”

Ruy Braga contou a visão negativa que muitos jovens entregadores entrevistados por seu grupo de pesquisa têm dos sindicatos.

“A gente conversa com os motoboys que têm sindicato aqui em São Paulo, alguns bem atuantes inclusive, e você percebe que eles não têm interesse em fazer parte do sindicato. Muitos deles manifestam o receio de pagar a taxa sindical, que eles consideram erroneamente que é muito alta, e têm o receio de substituir o patrão pelo sindicalista, de ter que cumprir com algum tipo de acordo que é feito pelo sindicato e que não os interessa. Eles também vêm os sindicatos como entidades muito distantes sem nenhuma representatividade prática nas questões do dia a dia”, disse.

“Essa informalidade, a plataformização do trabalho, a desconstrução do horizonte da cidadania salarial e, consequentemente, a individualização, [levaram ao] afastamento desses jovens entrantes no mercado de trabalho daquelas associações que eram tradicionalmente os grandes representantes, por assim dizer, da classe trabalhadora brasileira: os sindicatos e os partidos políticos de esquerda”, concluiu Braga.

“Juventude e Sindicalismo” foi o tema do “Maio Lilás” deste ano, campanha realizada pelo MPT desde 2017 para conscientização a respeito do mundo sindical.

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