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Trabalho análogo à escravidão cresce 233% no campo e 50,8% na cidade em dois anos; entenda

Trabalho análogo à escravidão cresce 233% no campo e 50,8% na cidade em dois anos; entenda

Trabalho análogo à escravidão cresce 233% no campo e 50,8% na cidade – A recente libertação de 207 trabalhadores rurais em situação análoga à escravidão na Serra Gaúcha é apenas um dos muitos casos registrados no país nos últimos anos.  

Segundo dados do Ministério do Trabalho, desde 2018, o número de libertações de pessoas nessas condições em atividades do setor agropecuário mais que triplicou.  

Em 2022, foram encontradas 1.932 pessoas nessas condições, um aumento de 233% em relação a 2020. Esse crescimento é quase cinco vezes superior ao registrado entre trabalhadores urbanos, que tiveram 537 pessoas resgatadas no último ano, um aumento de 50,8% no mesmo período.

Especialistas apontam que a discrepância entre as realidades do trabalho no campo e na cidade é reflexo de diversos fatores, como o isolamento dos estabelecimentos rurais, o que impõe desafios à fiscalização, e a falta de conhecimento das vítimas em relação aos seus direitos trabalhistas. 

“Quando a gente mergulha no Brasil profundo, vemos que tem trabalhadores que têm total desconhecimento dos seus direitos trabalhistas. Eles acham que quem tem direito a ter carteira assinada é só quem trabalha na cidade e os empregadores se utilizam disso para poder explorar eles da forma como bem entendem”, conta Maurício Krepsky, auditor-fiscal do trabalho e chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Entre os segmentos do agro com mais casos de trabalho análogo à escravidão no último ano, destacam-se o cultivo de cana-de-açúcar, com 362 ocorrências, e atividades de apoio à agricultura, com 273.  

Também houve registros no cultivo de alho (171), de café (168) e de maçã (126), criação de bovinos (110) e o cultivo de soja (108).  

No caso da cana, 273 pessoas foram resgatadas em uma única ação de fiscalização, realizada em Varjão de Minas, no oeste de Minas Gerais.

De acordo com Krepsky, a atividade envolvia um número alto de trabalhadores, por isso também registrava os maiores resgates. O cenário que havia melhorado, voltou a piorar em 2020, conta. 

“Depois de 2007 não havia mais tanto resgates assim na cana, e isso começa a surgir novamente a partir de 2020. Então, isso acende um alerta para que possamos ter novamente um olhar para esse setor específico porque se ele não é constantemente fiscalizado, isso pode ter realmente [causado] uma piora nas condições de trabalho oferecidas”, alerta Krepsky. 

Já no caso da maçã, dos 126 trabalhadores resgatados no ano passado, 80 deles foram em uma única ação realizada na Serra Gaúcha, mesma região onde, na semana passada, foram encontradas as 207 pessoas em situação análoga à escravidão na colheita da uva. 

O Rio Grande do Sul representa 54,4% da produção nacional de uvas, com 951,3 mil toneladas colhidas em 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais de 20 mil famílias produzem uva no estado, segundo a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra).

No entanto, o deputado estadual e membro da comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Matheus Gomes (PSOL), destaca que há um crescimento nos casos de trabalho análogo à escravidão no estado nos últimos anos.  

O deputado lembra que, segundo o Observatório pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil, entre 1995 e 2022, a média de resgates anuais foi de 15,1.

As colheitas da uva, maçã e de outras culturas da região têm em comum a baixa mecanização e a necessidade de mão de obra. 

Isso porque o terreno acidentado e por vezes pedregoso dificulta a mecanização da agricultura local, tornando-a dependente da colheita manual feita por uma mão de obra temporária, empregada apenas no período de safra. 

“Essa condição temporária a que esses trabalhadores são submetidos, somadas às novas legislações trabalhistas dos últimos anos, aprofunda uma tendência de precarização dessas relações de trabalho. E com uma pressão menor do Estado na garantia de direitos aos trabalhadores, alguns segmentos empresariais se aproveitaram dessa combinação de fatores para diminuir seus custos com a garantia de direitos trabalhistas”, afirma Gomes. 

Com informações de: Globo Rural