Presidente da CSB, Antonio Neto, concede entrevista ao jornal Diário do Comércio
Diário do Comércio – Qual é a importância da aprovação do Marco Civil da Internet pelo Congresso?
Antônio Fernandes dos Santos Neto – O projeto é fruto de grande discussão, e sem aprová-lo, você fica com uma “perna manca” na questão de TI no Brasil. É antigo, tem mais de três anos e não era prioridade. O caso da Carolina Dieckmann [atriz que teve fotos pessoais furtadas de seu computador e divulgadas sem autorização na internet] num primeiro momento trouxe à cena tudo isso. Num segundo momento, a invasão dos dados do governo, da Petrobras, causou um açodamento para finalizar a discussão, que caiu no Congresso. Algumas coisas não andaram a princípio por conta da história da neutralidade. Uma questão que está sendo mal interpretada por alguns deputados, por exemplo, é a dos datacenters. Por óticas assim, a ideia é que isso vai onerar empresas, ou seja, só dependem de interesses. Mas quando se olha estritamente pela guarda dos dados, se estiverem nos EUA, por exemplo, só dá para buscá-los pela legislação americana. E, além disso, há os sites fakes que deixam as pessoas em situações constrangedoras. Esse é o ponto: o provedor sabe que, se houver problemas, tem que identificar a máquina de onde saiu a agressão. Mas a dificuldade é que, se precisar buscar o log junto ao provedor – em geral uma grande empresa de telecomunicação –, só com ação judicial. E no Brasil, isso não é coisa simples.
DC – Para descobrir agressão virtual, só acessando o provedor. E aí entraria o Marco.
AFSN – Sim. A lei vai organizar um pouco melhor essas coisas. Por isso defendemos a neutralidade, a guarda dos logs… Já existem decisões importantes sobre isso, ou seja, a Justiça está mais adiante nesse assunto que a lei. No documento enviado por nós à presidente Dilma, ao Congresso e ao Ministério da Justiça, citamos sentenças e decisões judiciais, hoje importantes para descobrir de onde veio o crime, quem atacou e porquê.
DC – Fale mais sobre a questão da neutralidade.
AFSN – Todo mundo quer ter acesso a todas essas coisas, mas como está, se torna seletivo de acordo com o custo. Ou seja, é interesse corporativo. Além de a gente ter pior rede de transmissão de dados do mundo, é a mais cara. No Brasil, você assina um plano de 100 mega, mas te entregam 20. Isso é crime. A neutralidade é isso: que todo mundo possa ter acesso às mesmas coisas, e não a empresa determinar o que você deve assinar ou o que pode acessar.
MARCO CIVIL DA INTERNET
DC – Do jeito que está hoje, há perspectiva de o Marco ser votado?
AFSN – Tenho dúvida. Mas tem que votar, mesmo com restrições e depois aperfeiçoar. Só que a correlação de forças no Congresso não permite a aprovação do Marco que a sociedade civil quer. Empresas de TI, provedores, fazem lobby – que é legítimo – mas consumidores e usuários não têm quem os represente. O que é inacreditável é que, pela primeira vez, quando há a maior coalização política do governo, não se consegue aprovar projetos do seu interesse. E então a presidente vai ter que ceder mais do que gostaria.
DC – O que mudaria se o Marco fosse aprovado do jeito que estão querendo?
AFSN – Você não teria a segurança necessária. Hoje, várias empresas brasileiras depositam dados por livre e espontânea vontade fora do Brasil pelo custo e pelas atratividades que as estrangeiras oferecem. Mas ainda não há segurança jurídica para fazer qualquer coisa com quem acessa seus dados. A discussão passa pelos EUA, e com a denúncia do acesso do governo americano aos dados das empresas, elas se rebelaram. [Segundo o Sindpd, a Information Technology & Innovation Foundation estima perdas de US$ 35 bilhões até 2016 para essas empresas, como consequência econômica dos atos de espionagem da NSA]. Uma coisa é espionar países em desenvolvimento; outra é espionar grandes corporações da Europa ou EUA, ou o blackberry da (chanceler alemã) Angela Merkel. Porém, não creio na garantia de que, se tudo ficar no Brasil, estaremos imunes. Criam-se barreiras aqui, mas tem quem estude como quebrá-las. O ideal é que qualquer processo do tipo se submeta às leis daqui. Em qualquer país, serão dadas garantias ao provedor ou armazenador dentro das leis de cada um.
DC – O negócio é ‘judicializar’ a questão, então?
AFSN – Sim. Se os dados estiverem hospedados nos EUA, a legislação protegerá o Google, o cidadão americano; se está no Brasil, vale nossa legislação. Há um tempo atrás foi emitido mandado de prisão contra o presidente da companhia no Google Brasil por não tirar determinado conteúdo do ar. Mas o Google não obedece: o juiz dá multa diária e ele não liga; afinal, “temos a nossa filosofia”. O Marco vai garantir o seguinte: se é notificado, tem que tirar. O problema não é só pirataria, roubo de dados, crime industrial ou espionagem, mas ataques às pessoas. Tudo vai evoluir cada vez mais para isso: ataques e agressões nas eleições, nas relações capital-trabalho, na competitividade entre empresas… Hoje, não há como saber se o que é publicado é real, as pessoas reproduzem o que “acham” que é verdade.
DC – Diante de tudo disso, qual o cenário que o senhor enxerga para a internet no País? Não seria apropriado aprovar um projeto desses num ano eleitoral?
AFSN – Tenho esperança de que, na volta do Congresso haja uma definição, porque o Brasil precisa de uma lei que regule o uso da internet, assim como toda a comunidade de TI e todos os que participaram do movimento para gerar o marco regulatório. Os políticos vão passar pelo processo das campanhas eleitorais, então eles têm que pensar como aparecerão nas redes sociais e blogs. E tem outras questões, como a “Black ‘Fraude'”, em que as pessoas compram, não recebem – e mesmo assim as vendas pela internet não param de crescer. E tem os bancos e seus problemas de segurança… Por essas e outras é importante o Marco Civil, pelo menos para começar. O Marco é a base porque a gente não sabe o que vem pela frente. Com ele, dá para criar novas leis que complementem a principal. Tem um ditado jurídico que diz nullum crimen sine lege, ou seja, não há crime sem lei. Tem que identificar primeiro para depois enquadrar, ter base na lei para depois melhorar. E dependendo de cada crime que se descubra, deixar a pena mais contundente.
Fonte: Diário do Comércio
Por Karina Lignelli