Nesta quarta-feira (30), além de confirmar tarifas comerciais de 50% contra o Brasil, os Estados Unidos anunciou sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A decisão foi tomada com base na Lei Magnitsky – criada sob o argumento de combate a violações de direitos humanos e corrupção internacional e aplicada até então contra terroristas, traficantes e outros criminosos internacionais.
As sanções foram anunciadas pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro. O governo norte-americano acusa o ministro de violar a liberdade de expressão e autorizar “prisões arbitrárias”, citando seu envolvimento em dois processos sensíveis: o julgamento da tentativa de golpe de Estado no Brasil em 8 de janeiro de 2023 e decisões judiciais contra empresas de mídia social norte-americanas.
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, afirmou que Moraes liderou uma “campanha opressiva de censura” e “processos politizados”, incluindo ações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado por supostamente pressionar comandantes militares para anular os resultados das eleições presidenciais de 2022. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, endossou publicamente a narrativa de Bolsonaro, que se declara perseguido politicamente.
Como parte das motivações, o OFAC destacou decisões específicas de Moraes contra plataformas digitais vinculadas ao ex-presidente Donald Trump. Em fevereiro de 2025, o ministro determinou a suspensão da rede social Rumble, pertencente à Trump Media & Technology Group, por descumprir a exigência legal de nomear um representante no Brasil.
Anteriormente, em agosto de 2024, a plataforma X (antigo Twitter) sofreu medida similar pelo mesmo motivo. O órgão norte-americano alegou que essas ordens bloquearam “centenas de contas de críticos do governo brasileiro, incluindo cidadãos americanos”, embora não tenha detalhado casos específicos de supostas prisões arbitrárias ou censura.
A Lei Magnitsky: origem e alcance
A Lei utilizada para sancionar Alexandre de Moraes foi criada em 2012, durante o governo Barack Obama, inicialmente para punir agentes russos envolvidos na morte do advogado Sergei Magnitsky, que morreu em 2009 após denunciar um esquema de corrupção de US$ 230 milhões envolvendo autoridades do Kremlin.
Em 2012, o Congresso dos EUA aprovou a primeira versão da lei para punir os responsáveis por sua morte. Quatro anos depois, o Congresso norte-americano aprovou o Global Magnitsky Act, ampliando seu alcance para qualquer estrangeiro acusado de graves violações de direitos humanos ou corrupção, independentemente de nacionalidade ou localização geográfica.
A lei autoriza o governo dos EUA a:
- Bloquear ativos financeiros e propriedades em território norte-americano;
- Proibir a entrada no país;
- Restringir transações com instituições financeiras sob jurisdição estadunidense, incluindo operadoras de cartões (Visa, Mastercard) e gigantes de tecnologia (Google, Meta, Apple).
A sanção não exige condenação judicial prévia, bastando um ato administrativo fundamentado por órgãos como o Departamento de Estado ou o Tesouro. Os sancionados são incluídos na lista de “Cidadãos Especialmente Designados” (SDN) do OFAC.
A Lei Magnitsky já foi usada 37 vezes contra governantes autoritários desde 2016, mas esta é a primeira aplicação contra um ministro de uma corte suprema de um país democrático. Especialistas em direitos humanos alertam que o caso pode banalizar o instrumento, transformando-o em arma geopolítica. Para o governo brasileiro, a medida viola o princípio de não intervenção – previsto na Carta da ONU – e sinaliza uma nova fase de tensões bilaterais, em que decisões judiciais soberanas são tratadas como ameaças à segurança nacional dos EUA.
Consequências limitadas
Para Moraes, os efeitos práticos são limitados. Registros alfandegários mostram que sua última viagem aos EUA ocorreu em novembro de 2022, com apenas seis idas ao país desde 2016. Além disso, seu visto já estava expirado, sem que o ministro tenha buscado a renovação – ou seja, o cancelamento do visto, que já havia sido anunciado anteriormente, não o afetou. O ministro também afirma não possuir bens ou investimentos no país.
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Diante disso, a sanção pode:
- Interromper serviços digitais: Contas em redes sociais ou e-mails (Gmail, Outlook) podem ser suspensas;
- Bloquear transações: Operações em dólar ou uso de cartões de crédito internacionais podem ser inviabilizados;
- Isolar diplomaticamente: Esta consequência dependeria da adesão de outros países à narrativa norte-americana.
No plano político, a medida representa uma escalada na pressão dos EUA sobre o Judiciário brasileiro. O Itamaraty classificou-a como “interferência inaceitável”, enquanto juristas destacam a contradição do próprio OFAC, que não ofereceu provas das acusações contra Moraes, nem deu espaço para sua defesa, aplicando punições sem o devido processo legal que tem sido seguido no Brasil.
Apoio das centrais sindicais a Alexandre de Moraes
Para as centrais sindicais, a medida representa uma interferência imperialista dos EUA na soberania brasileira, com o objetivo de proteger os interesses das grandes empresas de tecnologia norte-americanas e pressionar o Judiciário nacional. Em nota conjunta, as centrais afirmam que as acusações contra o ministro Alexandre de Moraes são falsas e servem apenas para atacar as decisões do STF que regulam as plataformas digitais em conformidade com as leis brasileiras.
As entidades denunciam ainda o evidente “conluio” entre o presidente dos EUA e extrema-direita brasileira para tentar impedir punições relacionadas à tentativa de golpe de Estado.
“Mais grave ainda é o conluio entre Trump e golpistas, na tentativa de livrar da Justiça aqueles que atentaram contra a nossa democracia e que, de forma chocante, planejaram os assassinatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e também do ministro Alexandre de Moraes. Traidores da pátria, Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo, inconformados com a derrota na eleição presidencial, seguem tramando contra os interesses do povo brasileiro e articulando uma agenda autoritária que visa apenas à autopreservação e ao alinhamento submisso aos EUA”, diz a nota.
Quem já foi sancionado pela Lei Magnitsky
Veja alguns personagens já sancionados pela lei utilizada contra Alexandre de Moraes e os crimes dos quais são acusados:
- Yahya Jammeh (Gâmbia)
O ex-presidente gambiano Yahya Jammeh foi sancionado em 2017 pelos EUA por violações sistemáticas de direitos humanos e corrupção durante seu governo (1994-2016). Uma comissão da verdade posteriormente confirmou execuções extrajudiciais, torturas e estupros cometidos por forças sob seu comando. Sua esposa, Zineb Souma, também foi sancionada em 2020 por auxiliar em crimes econômicos.
- Min Aung Hlaing (Mianmar)
O general birmanês foi sancionado em 2019 por comandar operações militares que resultaram em massacres étnicos no estado de Rakhine em 2017, incluindo relatos de execuções sumárias, incêndios de vilarejos e violência sexual em massa. A ONU estima que mais de 500 mil rohingyas fugiram para Bangladesh devido às operações sob sua liderança.
- Ramzan Kadyrov (Chechênia/Rússia)
Líder checheno sancionado em 2020 por suposto envolvimento em assassinatos e torturas, incluindo o caso do opositor Boris Nemtsov. O governo americano acusa sua milícia privada, os “Kadyrovtsy”, de ser responsável por graves abusos contra dissidentes.
- Ly Yong Phat (Camboja)
Senador cambojano penalizado em 2024 por suposta cumplicidade em tráfico humano e trabalho forçado em centros de fraudes online vinculados a seu conglomerado empresarial L.Y.P. Group, incluindo o complexo turístico O-Smach Resort.
- Prophane Victor (Haiti)
Ex-parlamentar haitiano sancionado em 2024 por suposto financiamento e armamento da gangue Gran Grif, acusada de violência generalizada, incluindo crimes sexuais e controle territorial coercitivo na região de Artibonite. As sanções visaram seu papel na escalada da crise de segurança no país.
Com informações de Agência Brasil e Folha de S.Paulo
Foto: Antonio Augusto/STF