É momento de flexibilizar leis trabalhistas? NÃO
Por Renato Henry Sant’Anna*
Tenho observado, recentemente, uma onda de estudiosos, autoridades e juristas imprimindo na sociedade um discurso preocupante: o da necessidade de mudanças na legislação trabalhista, sempre sob a justificativa de sua “modernização”.
Trata-se de uma análise superficial, que serve a um grave movimento que cada vez mais ganha força dentro do Brasil: a luta pela maximização dos lucros, como se a existência de direitos fosse obstáculo ao desenvolvimento.
Os juízes do trabalho entendem que é necessária a manutenção de um sistema de proteção ao trabalho integrado de normas irrenunciáveis, que estão longe de serem excessivas ou prejudiciais ao desenvolvimento social e econômico. São garantias alcançadas através de muita luta pelo cidadão brasileiro no decorrer de décadas, que não podem ser ameaçadas por um perigoso e falso discurso onde o capital e a precarização vencem.
Como vivemos um período de crescimento e com baixas taxas de desemprego, alguns atores sociais parecem ávidos para vislumbrar nas crises de outros países uma oportunidade de “patrocinar” medidas contrárias aos direitos dos trabalhadores e à própria estabilidade social do Brasil.
Exemplos de que tais discursos encontram eco entre os Poderes da República são a “reforma da CLT” em discussão no Poder Executivo, a regulamentação da terceirização, o projeto do Simples Trabalhista e o acordo coletivo de finalidade específica. Podem ser resumidos em uma perigosa constatação de que estamos a caminho de legalizar o trabalho precário no Brasil.
Não que uma ou outra atualização da CLT não deva ser discutida, mas apenas e sempre no campo restrito da terminologia e da adaptação às novas tecnologias e realidades. Mas que isso não sirva como um pretexto para que o trabalho seja tratado como mercadoria e a dignidade do trabalhador seja ameaçada, sempre sob justificativa meramente econômica.
Precisamos ser conservadores quando o que está em jogo é o direito do trabalho e o cumprimento da Constituição. Seria de se perguntar por que os admiradores dos chamados países desenvolvidos não se interessam em copiar seus exemplos de estabilidade das leis e de boa qualidade no campo dos direitos trabalhistas.
Se quisermos discutir modernidade, precisamos primeiro debater propostas “varridas para debaixo do tapete”, como os direitos das domésticas, os mecanismos para coibir a despedida arbitrária, a erradicação do trabalho escravo, acabar com a chaga do trabalho da criança e uma reforma sindical verdadeira: aquela que resgata o papel histórico dos sindicatos, priorizando, por exemplo, a negociação coletiva como forma de prevenir litígios, e não, como se pretende, para estender perigosamente ao Brasil todo uma realidade excepcional de pressão de algumas categorias ou regiões.
Os juízes do trabalho convivem diariamente com o embate entre trabalhadores e empregadores. A existência de regras claras e estáveis serve para organizar o sistema de produção. Atua em benefício de todos, trabalhadores e patrões.
Mas não podemos esquecer que a Constituição, ao enumerar alguns direitos dos trabalhadores, deixou claro que outros podiam ser pensados, desde que para melhoria da condição social. O direito do trabalho, assim como a vida, anda para frente, não retrocede.
O momento é de alerta à sociedade: a estrutura dos direitos sociais está em risco. Os trabalhadores não têm direitos em excesso. Não é essa a reforma que o Brasil precisa. Que todos fiquem atentos.
Renato Henry Sant’Anna, 46, é juiz do trabalho em Ribeirão Preto (SP) e presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
Fonte: Folha de S.Paulo