Quatro trabalhadores, três homens e uma mulher, foram resgatados.Uma das fazendas envolvidas é de um juiz aposentado
Quatro pessoas foram encontradas em condições análogas ao trabalho escravo em uma carvoaria de uma fazenda em Pintópolis (MG), nesta segunda-feira (15). A operação foi coordenada pelo Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego, com o apoio da Polícia Federal.
A ação foi desencadeada após uma denúncia de que os trabalhadores estavam em condições análogas à de escravos na Fazenda Alegre, que pertence a Murilo Faria, juiz aposentado. No local, os fiscais tiveram a informação de que eles haviam sido deslocados e escondidos em outro lugar, na Fazenda Mangues. As propriedades são vizinhas e em ambas foram encontradas carvoarias.
“Aqui não há nenhum direito que esteja sendo garantido a eles, desde a formalização em carteira, até os equipamentos de proteção, local de alojamento e alimentação. Nada está sendo garantido aos trabalhadores. Eles estão aqui desumanizados, estão sendo tratados como objetos, como coisas”, fala Marcelo Campos, auditor fiscal do trabalho.
No ambiente encontrado pela equipe responsável pela operação havia barracos de lona e camas improvisadas. Os trabalhadores cozinhavam em fogões à lenha, com água que não sabiam de onde vinha e que ficava dentro de tambores. A comida estava armazenada em meio às roupas, em prateleiras, a carne foi encontrada em um balde. Eles tomavam banho em uma caixa, ao lado dos fornos, e faziam as necessidades no mato. Descansavam cerca de cinco horas por dia. Trabalhavam todos os dias da semana, sem folgas. Eles não usavam nenhum equipamento de proteção e estavam com botas furadas e machucados nas mãos. Alguns relatam que passavam mal e foram parar no hospital, por conta do serviço.
Wagner Silva, um dos trabalhadores resgatados, conta que eles começaram a trabalhar na Fazenda Alegre há mais de dois anos. Recentemente eles foram expulsos, depois que o proprietário foi multado pela Polícia Militar de Meio Ambiente, por não ter licença para exploração da madeira e fabricação do carvão. Ele também ficou sabendo que seria alvo de uma possível fiscalização.
“Saímos correndo. Até a lona dos barracos de lá nós trouxemos para montar aqui”, conta.
Wagner Silva começou a trabalhar em carvoarias aos 17 anos, já morou em Pirapora e São Romão. A esposa e as filhas dele residem em Pintópolis, mas eles chegam a ficar seis meses sem se encontrar. “As últimas vezes que eu vi elas foi quando saí carregado daqui pelo Samu, com dor no peito e no balão de oxigênio. Passei lá em casa rapidinho e voltei. Não vou porque nunca tenho folga e nem dinheiro.”
O médico que atendeu o rapaz disse que os problemas de saúde podem estar relacionados ao trabalho. Dois exames foram pedidos, mas como Wagner não tem dinheiro para fazê-los, continua sem um diagnóstico, por isso afirma que “tem as veias do peito estouradas”.
A carteira do trabalhador foi assinada após uma fiscalização anterior do Ministério do Trabalho e Emprego, em Pirapora. Ele diz nunca que teve férias ou recebeu 13º salário. E está há mais de cinco meses trabalhando sem ganhar nada.
O responsável por registrar a carteira de Wagner, desde os tempos em que ele trabalhava em outros municípios, é Juarez Rodrigues, que também é sogro dele. Apesar de estar na condição de empregador, Juarez também trabalhava em condições que se assemelham à escravidão.
Ele conta que “para fichar Wagner tive que vender o único bem que tinha, um pedacinho de terra”. E apesar de teoricamente ser o patrão, grande parte do que ganha vai para os donos das fazendas. Na Alegre, o proprietário ficava com R$ 600 de cada caminhão que saía. Já na Mangues, o dinheiro iria ser pago diretamente para dono da terra, que repassaria R$ 25 por m³ para Juarez.
Além disso, o trabalhador também paga há dois anos por um trator que comprou com o caminhoneiro que busca o carvão nas fazendas, e leva até as siderúrgicas. Essa mesma pessoa também emprestou dinheiro para que os fornos fossem construídos, e às vezes fazia a compra dos alimentos consumidos pelos trabalhadores. Juarez, que não sabe ler e escrever, desenhou o nome em várias promissórias, que são pagas mensalmente. Ele diz que não sabe o quanto já foi pago e nem quanto ainda deve.
“Nós trabalhamos para comer e pagar conta. Minha mulher que também tá aqui passa mal, tem que tomar remédios controlados, mas eu não tenho dinheiro para comprar”, diz. A esposa dele, Maria Lenir Gomes da Cruz, também foi resgatada da carvoaria.
Juarez começou a trabalhar na Fazenda Alegre, depois de um convite de um homem, que posteriormente percebeu que o negócio não era vantajoso e abandonou a carvoaria. “Viemos para cá com o Vadim, dormimos em uma noite fria, sem barraco, sem lona, sem nada.”
Sonho de voltar a ser vaqueiro
Lucélio Rodrigues Nogueira, de 21 anos, também trabalhava na carvoaria. Ele é natural de Itacarambi e chegou na região em 01/01/2013, a convite do filho do proprietário da Fazenda Alegre. “Ele disse que me pagaria R$ 25 por dia, depois passou para R$ 30, mas nunca ninguém pediu minha carteira de trabalho para me fichar.”
Ele também conta que eles dormem das 20h até às 1h, passam o dia, parte da noite e da madrugada vigiando os fornos. “Temos que ficar em cima, senão o carvão pode passar do ponto e aí a produção é toda perdida.”
Para Lucélio, o pior aspecto do trabalho é ter que conviver com o calor que sai dos fornos. “Sinto muita falta de ar e tontura. Mas quando a gente passa mal, o jeito é sair uns minutinhos e voltar rápido. Também não enxergo bem, meus olhos ficam muito embaçados. Meu colega já levou até picada de escorpião aqui.”
Quando questionado sobre o porque de não sair do trabalho, Lucélio diz que sonha em voltar a ser vaqueiro e tem vontade de estudar. “Já colhi goiaba e banana, mas gosto mesmo é de ser vaqueiro. Mas pra gente que tá aqui é difícil sair, hoje em dia não dá pra arrumar emprego sem estudo.”
Além dos quatro trabalhadores, a fiscalização também encontrou um funcionário da Fazenda Mangues trabalhando sem carteira assinada, há mais de cinco anos. José Afonso Correias é o responsável por cuidar de toda a propriedade. Ele conta que trabalha seis dias por semana, nunca tirou férias e nem recebeu 13º. Além do salário mínimo, o patrão fornece para ele uma cesta básica e as botinas.
“Ele me contratou dizendo que ia assinar a carteira, mas falou que estava ajeitando os papéis, há mais ou menos uns 10 dias veio aqui e pegou todos os meus documentos para me fichar”, fala.
O que será feito
Marcelo Campos, do Ministério do Trabalho, fala que as quatro pessoas serão retiradas imediatamente das condições em que foram encontradas. Os fazendeiros foram notificados a apresentar documentos e comparecer junto às autoridades que fizeram a fiscalização.
“Buscaremos a garantia do pagamento de todas as verbas rescisórias e de todos os direitos trabalhistas. Os trabalhadores também vão fazer jus a um seguro desemprego especialmente pago em situações de trabalho escravo. Já os que perpetraram o crime, vão ser responsabilizados administrativamente pelo Ministério do Trabalho e também no âmbito judicial, a partir de ações propostas pelo Ministério Público do Trabalho e pela Procuradoria da Republica. ”
O que dizem os envolvidos
Murilo Faria, dono da Fazenda Alegre, não estava no local. A esposa dele, que estava na propriedade, falou que não tinha interesse em se manifestar.
Já Pedro Ribeiro da Silva Filho não foi encontrado na Fazenda Mangues. A reportagem do G1tentou falar com ele, mas o telefone estava desligado. No momento em que a fiscalização estava no local, o funcionário José Afonso apresentou um contrato de arrendamento da terra para a exploração do carvão, mas não ficou comprovada a autenticidade do documento.
Em ambas as situações não foi confirmada a existência de licenciamento ambiental para a extração da madeira e para a atividade de produção de carvão.
Fonte: G1