7 em cada 10 reajustes em dezembro ficam abaixo da inflação, indicando dificuldades para 2021
A aceleração da alta do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) combinada com a dificuldade de financeira das empresas fez com que 70,2% dos reajustes salariais em dezembro ficassem abaixo da inflação.
Na prática, isso significa que houve perda do poder de compra dos trabalhadores. Os dados são da pesquisa Salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que analisa convenções e acordos coletivos.
No mês, apenas 10,6% das negociações coletivas alcançaram ganho real de salário. Outras 19,1% apenas repuseram a inflação.
No acumulado do ano, um quarto dos reajustes ficou abaixo do INPC. Apesar do ano de crise, 41,5% das negociações acordaram um ganho real.
O professor da FEA/USP e coordenador do Salariômetro, Hélio Zylberstajn, classificou o último mês de 2020 como um “dezembro amargo” e um indicativo das dificuldades que os trabalhadores terão em 2021.
“Foi um encerramento de ano muito triste do ponto de vista salarial, para os trabalhadores, e para as empresas também, que talvez até queiram, mas estão com dificuldades de repassar preços”, afirma.
Na média, de janeiro a dezembro do ano passado, 41,5% dos acordos acabaram em reajustes acima da inflação. Empataram com o INPC 32,7% das negociações, e em 25,7% dos casos houve perda no poder de compra.
Sem conseguir repor a inflação do ano anterior, o salário do trabalhador perde poder de compra.
No acumulado de 12 meses até novembro, o INPC, calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), registrou alta de 5,2% entre as famílias mais pobres.
Para 2021, Zylberstajn acredita que os salários não deverão se recuperar rapidamente mesmo num cenário de retomada econômica.
“Aumentos reais serão mais raros porque as projeções para o INPC em 2021 continuam altas, acima de 5%”, diz o pesquisador. “Quem está negociando neste mês deve enfrentar resistência. Vai ser um ano muito complicado para manter o poder de compra.”
Se a previsão do Boletim Focus, do Banco Central, se confirmar, a trajetória da inflação pelo INPC neste ano terá um pico em junho, quando chegará a 7%.
O Salariômetro monitora 40 itens que costumam aparecer quando empresas e trabalhadores negociam seus acordos e convenções. É o caso, por exemplo, de PLR (Participação nos Lucros e Resultados), plano de saúde, abonos e seguro.
Muitos desses elementos foram menos negociados e, proporcionalmente, apareceram menos nas discussões realizadas no ano passado.
Um deles, porém, chamou a atenção do pesquisador: benefícios como seguro de vida, plano de saúde e plano odontológico foram incluídos em mais negociações do que costumamam aparecer
O seguro de vida apareceu em 26,6% dos acordos fechados em 2020, um avanço de 10% na comparação com o ano anterior. O maior crescimento percentual foi na inclusão do convênio farmácia que, apesar de ainda estar em apenas 6,3% das negociações, subiu 32,3%.
No caso do plano de saúde, o crescimento foi de 11% —o benefício esteve em 11,2% das discussões.
“O que esses dados estão revelando, e acho que podemos creditar à pandemia, é essa preocupação maior dos trabalhadores com a saúde e a vida”, afirma o coordenador do Salariômetro.
Por outro lado, vale-alimentação perdeu espaço nos acordos. A pesquisa registrou uma queda de 42,2% no número de negociações, e somente 21,6% delas trataram do assunto.
Em 2020 caiu também o percentual de negociações que incluíam o recolhimento de contribuição sindical trabalhista. De 57% em 2019, esse pagamento apareceu em 51,2% das negociações no ano passado, uma queda de 10,2%.
Para Zylberstajn, essa redução pode ser um indicativo de que os sindicatos estão com dificuldade em manter o poder de barganha e demonstra como o financiamento dessas entidades segue indefinido.
A reforma trabalhista de 2017 acabou com a contribuição sindical obrigatória. “Ninguém, em sã consciência, pode querer acabar com os sindicatos, mas eles precisam de recursos para exercer a representação dos trabalhadores. Como garantir esses recursos ainda está em uma zona cinzenta”, afirma.
Fonte: Folha de S.Paulo