Há poucos dias do Dia do Trabalhador (1º de Maio), dezenas de mudanças nas leis trabalhistas em Portugal foram anunciadas para combater a precariedade, valorizar os jovens no mercado de trabalho, além de fortalecer a negociação coletiva nas relações de trabalho.
Entre as medidas, está o reconhecimento dos trabalhadores de aplicativos digitais como Uber e iFood, que passam a ter acesso a todos os direitos trabalhistas como qualquer outro trabalhador.
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Outra medida é a instituição da semana de quatro dias de trabalho, cujo projeto-piloto deve ser apresentado ainda em 2023.
Quase todas as mudanças entram em vigor no Dia do Trabalhador.
O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o decreto no fim de março, mas alertou que alguns pontos precisam ser mais bem discutidos.
Para o líder português, o decreto afasta-se “em alguns aspectos, do acordo assinado pelo Governo com os parceiros sociais”, mas reiterou que efetivou sua promulgação por contas de outras medidas importantes incluídas no texto.
“Promulguei por duas razões fundamentais: porque há outras medidas que são importantes para os trabalhadores e, segundo, porque a Assembleia, quando votou, votou com o Partido Socialista a favor, mas com a maioria esmagadora da oposição de direita a abster-se, nomeadamente o Partido Social Democrata”, declarou.
Alterações no Código do Trabalho
As mudanças incluem 70 medidas ao serviço dos trabalhadores e das empresas que se baseiam em 4 eixos principais:
- Combate à precariedade;
- Valorização dos jovens no mercado de trabalho;
- Promoção de uma melhor conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar;
- Dinamização da negociação coletiva e da participação dos trabalhadores.
Entre as alterações previstas estão, por exemplo:
Combate à precariedade dos jovens trabalhadores
A duração dos contratos temporários passa a ter limites máximos, quando está a ser desempenhada a mesma função, mesmo que a entidade empregadora seja diferente.
É reduzido para quatro o número de renovações dos contratos temporários.
O período experimental é reduzido para jovens que já tenham tido contratos a termo na mesma atividade, mesmo que com outro empregador.
Passa a ser proibida a utilização de ‘outsourcing’ durante um ano após um despedimento coletivo ou por extinção de posto de trabalho.
Os estágios profissionais passam a ser remunerados, no mínimo, por 80% do Salário Mínimo Nacional, e as bolsas de estágio IEFP para licenciados são aumentadas para 960 euros.
É reforçada a proteção dos direitos dos jovens trabalhadores-estudantes, passando a poder acumular o abono de família e as bolsas de estudo com o salário.
É duplicado o valor da compensação pela cessação dos contratos a termo, como forma de dissuadir a celebração de contratos a termo não justificados.
Licenças
A licença paternidade passa dos atuais 20 para 28 dias consecutivos.
Passa a haver um aumento do subsídio quando as licenças parentais são partilhadas de forma igual entre pai e mãe, e a partir dos 120 dias, a licença pode ser utilizada em part-time por ambos os progenitores, aumentando a duração total.
É criada a licença por luto gestacional, que pode ir até aos três dias. Já a licença por falecimento do cônjuge passa dos atuais cinco dias para 20.
O direito ao teletrabalho, sem necessidade de acordo, é alargado aos pais com crianças com deficiência, doença crónica ou doença oncológica.
São alargadas as dispensas e as licenças a quem quer adotar ou ser família de acolhimento.
Cuidadores informais
Os cuidadores informais passam a ter uma licença de cinco dias e o direito a 15 dias de faltas justificadas.
Além disso, os cuidadores informais passam a ter direito a teletrabalho, horário flexível ou tempo parcial e passam a estar abrangidos pela proteção contra o despedimento e discriminação.
Trabalho temporário injustificado
As empresas de trabalho temporário passam a ser obrigadas a ter um quadro de pessoal permanente e o número de renovações dos contratos é reduzido para quatro. A compensação pela cessação de contratos de trabalho temporário aumenta de 18 para 24 dias por ano.
São ainda estabelecidas regras mais rigorosas e exigentes para as empresas de trabalho temporário, como a obrigação de certificação, aumentando a responsabilização e ainda a exclusão de sócios, gerentes ou diretores que tenham sido condenados por contraordenações laborais.
Trabalhadores de aplicativos
As alterações preveem que os trabalhadores das plataformas digitais – ou aplicativos – são considerados trabalhadores comuns, tendo todos os direitos como qualquer trabalhador.
Por outro lado, as plataformas passam a ter o dever de informação e transparência sobre o uso de algoritmos e mecanismos de Inteligência Artificial na seleção e dispensa dos trabalhadores.
Licenças médicas
Os trabalhadores passam a ter a possibilidade de obter licença médica através do serviço SNS 24 (Sistema Nacional de Saúde), ou seja, sem recorrerem a uma consulta num hospital ou centro de saúde.
Essas baixas, obtidas sob compromisso de honra, podem ser pedidas até duas vezes por ano, por períodos máximos de três dias.
À semelhança do que acontece com as licenças concedidas por médicos, estes dias de baixa até três dias não são remunerados.
Teletrabalho
Alargamento do teletrabalho
O direito ao teletrabalho é alargado aos pais com filhos com deficiência, doença crónica ou doença oncológica, seja qual for a idade.
“O trabalhador com filho até 3 anos ou, independentemente da idade, com filho com deficiência ou doença crónica ou doença oncológica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito”, diz o novo artigo 166º A do Código do Trabalho.
Despesas de teletrabalho fixadas no contrato
As despesas adicionais relacionadas com o teletrabalho vão passar a estar fixadas nos contratos.
“O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar na celebração do acordo para prestação de teletrabalho o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais”, sublinha.
Se não houver acordo entre trabalhador e entidade empregadora sobre o valor fixo, consideram-se despesas adicionais a “aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo”, assim como “as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial”.
Limite de isenção para despesas com teletrabalho
Vai ficar também definido um valor ao qual a compensação que as empresas têm de pagar pelas despesas adicionais com teletrabalho ficam isentas de imposto.
“É considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador até ao limite do valor definido por portaria dos membros do governo responsáveis pelas áreas dos assuntos fiscais e segurança social”, definiu a proposta.
Jovens
Contratos temporários com limite de quatro renovações
O número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário a termo certo vai passar das atuais 6 para 4.
“O contrato de trabalho temporário a termo certo não está sujeito ao limite de duração do nº 2 do artigo 148º e, enquanto se mantiver o motivo justificativo, pode ser renovado até 4 vezes.”
Ao fim de quatro anos de cedências temporárias, as empresas serão obrigadas a integrar os trabalhadores nos quadros. Ou seja, passam a ser obrigadas a oferecer um contrato de trabalho efetivo a estes trabalhadores.
Mais: o período experimental para jovens à procura do primeiro emprego e para desempregados de longa duração, atualmente de 180 dias, deverá ser reduzido ou até mesmo excluído, caso a duração do anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com um empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias.
Nos casos de períodos experimentais iguais ou superiores a 120 dias, o empregador é obrigado a comunicar ao trabalhador a denúncia de contrato com um aviso prévio de 30 dias.
Valor das horas extras aumenta a partir das 100 horas anuais
O valor das horas extraordinárias a partir das 100 horas anuais vai aumentar, de acordo com as alterações à lei laboral.
Assim, o valor das horas extra a partir das 100 horas anuais passa de 25% para 50% na primeira hora ou fração desta, de 37,5% para 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil, e de 50% para 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.
Estagiários não podem receber menos do que 80% do salário mínimo
Os estágios profissionais passam a ser remunerados no mínimo por 80% do Salário Mínimo Nacional (760 euros em 2023), e as bolsas de estágio IEFP para licenciados são aumentadas para 960 euros.
Desta forma, os estagiários passam a ter um enquadramento na Segurança Social equiparado a um contrato de trabalho por conta de outrem. Os trabalhadores-estudantes passam a poder acumular o abono de família e as bolsas de estudo com o salário.
Precariedade
Trabalhadores de plataformas digitais passam a ter contrato
Um contrato de trabalho será estabelecido entre operadores e plataformas digitais, como a Uber, por exemplo, que será aplicado ao setor de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados (TVDE), que ocorre “quando algumas” características são cumpridas na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital.
No entanto, a plataforma pode demonstrar que não deve ser considerada empregadora nos casos em que pretenda contestar essa presunção, cabendo ao tribunal determinar depois quem é a entidade empregadora.
Contratação coletiva dá benefícios às empresas
As empresas com contratação coletiva poderão ter acesso privilegiado a apoios ou financiamentos públicos, incluindo fundos europeus, contratação pública e incentivos fiscais.
“O Estado enquadra os incentivos à contratação coletiva no âmbito das suas políticas específicas, nomeadamente através de medidas que privilegiem as empresas outorgantes de convenção coletiva recentemente celebrada e/ou revista, no quadro do acesso a apoios ou financiamentos públicos, incluindo fundos europeus sempre que pertinente, dos procedimentos de contratação pública e de incentivos de natureza fiscal”.
De acordo com a mesma iniciativa, “considera-se convenção recentemente celebrada e/ou revista a que tenha sido outorgada ou renovada no período até três anos”.
Empregadores que não declarem trabalhadores incorrem em crime
Por último, os empregadores que não declarem a admissão de trabalhadores à Segurança Social nos seis meses seguintes ao início do contrato incorrem em crime. O não cumprimento desta lei pode implicar pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
É também definido que o recurso sistemático e continuado a recibos verdes passa a ser penalizado. Se houver prova de reincidência na contratação de “falsos recibos verdes”, o empregador poderá perder o direito a candidatar-se, durante dois anos, a concursos públicos, bem como a usufruir de apoios ou benefícios fiscais.
Com informações de Executive Digest/Portugal
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil