MP 936: Quando 1 x 0 é goleada

No último mês pude ver a força da realpolitik no Brasil, enquanto relatei a Medida Provisória 936 na Câmara dos Deputados.

Essa MP 936 criou um programa emergencial com objetivo de preservar contratos de trabalho. O método, em si, já era amargo: redução de jornadas de trabalho e salários ou suspensão de contratos.

E tudo ficou pior quando o Supremo Tribunal Federal ratificou acordos individuais, o que, a meu ver, contraria o artigo 7º da Constituição, que afirma explicitamente a proibição da “irredutibilidade de vencimento, salvo acordo ou convenção coletiva”. Aqui, vale uma nota: a judicialização da política nos oferece dessas, tem efeito bumerangue. Precisamos romper com esse ciclo em que a Esquerda vive de recorrer ao Judiciário por não ter força para construir posições majoritárias. Isso é contra a política e, portanto, acaba se voltando contra a gente.

Voltando à MP, nossos desafios foram pactuados na conversa com as centrais sindicais:

1. Ampliar o espaço obrigatório para acordos coletivos;

2. Garantir sindicatos na homologação das demissões;

3. Ultratividade;

4. Melhorar a taxa de reposição da renda dos trabalhadores;

5. Ampliar o prazo do Programa;

6. Facilitar o acesso ao seguro-desemprego.

Nosso balanço deve ser feito à luz desses objetivos, considerando a correlação de forças e o cenário da batalha.

Quanto aos acordos coletivos, reduzimos o piso, de 3 para 2 salários mínimos, a partir do qual se tornam obrigatórios acordos coletivos nas empresas médias e grandes, com faturamento acima de R$4,8 milhões/ano. As empresas menores seguiram com a mesma regra. E o que é importante: todos os sindicatos que conquistarem acordos coletivos terão essas regras como referência, acima de acordos individuais caso sejam melhores que estes. Foi um passo à frente.

Incluí no meu relatório a obrigatoriedade da assistência do Sindicato na homologação da demissão. O governo pactuou na véspera e roeu a corda no dia, derrubando essa medida do texto. Mas, na questão da ultratividade, os partidos que apoiam o governo mantiveram o compromisso. Assim, durante a calamidade pública, as convenções coletivas não renovadas serão prorrogadas, com os direitos pactuados mantidos. Avançamos um pouco.

Na taxa de reposição da renda nossa tentativa foi avançar, conscientes que nosso povo precisa de mais auxílio nesse momento difícil. Assumimos a defesa da integralidade da renda para os trabalhadores que recebem até 3 salários mínimos. Não conseguimos avançar e foi mantido o que já estava no texto original. O governo cravou 315 votos contra os nossos honrados 155 apoios, retrato nítido da correlação de forças no parlamento brasileiro quando estão em pauta os temas do trabalho.

O prazo desse programa passou a ser tema central. Já está claro que os efeitos da pandemia na saúde pública e na economia se projetarão por um período bem maior do que o imaginado anteriormente. A decisão de autorizar o Poder Executivo a prorrogar, total ou parcialmente, essas ações, serve para desmascarar a hipocrisia fiscalista do governo, que acusa o parlamento de “usina de bombas fiscais”. Também prorrogamos a desoneração da folha de pagamentos para manter os postos em setores que empregam mais gente. A Câmara foi bem.

Tenho convicção de que é justo dispensar todos os critérios para permitir aos trabalhadores demitidos o acesso ao seguro-desemprego. Não conseguimos. Mas conquistamos um benefício por 3 meses para os que não se enquadram nos critérios. E conseguimos esse benefício também para quem acabou de receber as últimas parcelas de seguro-desemprego e não tem perspectiva no mercado de trabalho diante de tamanha crise. Não era o desejado, mas conquistamos algo.

Esse relato, tendo por base o diálogo inicial com o movimento sindical, o que creio ser útil para observarmos as premissas de nossa caminhada. Eles avançaram o terreno em alguns outros pontos. E nós também, como dar força de lei aos acordos coletivos dos bancários, o que terá um valor histórico; a integralidade do salário-maternidade para as gestantes e o acréscimo do período de suspensão de contrato na estabilidade; a garantia de não demissão de deficientes e a repactuação dos empréstimos consignados e ampliação da margem consignável, o que ajuda os aposentados e trabalhadores, durante a pandemia.

Também obtivemos a suspensão, durante a calamidade, do artigo 486 da CLT, que trata do “fato do príncipe”, pois Bolsonaro estava chantageando prefeitos e governadores a não aderirem ao isolamento social sob pena de indenização aos empresários.

Eu celebro cada pequena vitória, pois são elas que abrirão caminhos para virarmos o jogo. O fato é que jogamos no campo do adversário, com atletas a menos, a torcida toda deles e com o juiz parcial, contra nós. Nessas horas, um magro 1 x 0 tem gosto de goleada.

Por Orlando Silva, deputado federal e relator da MP 936 na Câmara Federal

Fonte: Portal Vermelho

Compartilhe:

Leia mais
Camara aprova teto salario minimo e mudança bpc
Corte de gastos: Câmara aprova teto para aumento do salário mínimo e mudança no BPC
CSB na Secretaria nacional da juventude conjuve
CSB assume cadeira no Conjuve, conselho que debate políticas públicas para a juventude
codefat aprova calendario pagamento abono salarial 2025
Conselho aprova calendário de pagamento do Abono Salarial para 2025; confira datas
regras aposentadoria 2025 reforma da previdência
Haverá ajuste na idade para pedir aposentadoria em 2025; entenda as novas regras da previdência
Câmara aprova fim da desoneração da folha de pagamento
Câmara aprova imposto mínimo de 15% sobre lucro de multinacionais, seguindo padrão da OCDE
aumento salário mínimo 1954 getúlio vargas
O que aconteceu no Brasil depois que Getúlio aumentou em 100% o salário mínimo
Fachada tst
TST derruba regra da reforma trabalhista que limitava acesso à Justiça gratuita; entenda
trabalhadora obrigada a mostrar os seios
Empresa é condenada a indenizar trabalhadora obrigada a mostrar os seios para superior
paralisação sindimetropolinato ônibus porto alegre
Rodoviários da região de Porto Alegre paralisam atividades por reajuste salarial não pago
Flavio Dino e Rubens Paiva
Lembrando Rubens Paiva, Dino defende que Lei da Anistia não se aplica a ocultação de cadáver