Existem fatos políticos que fazem História. Outros alteram a história e marcam gerações. O lançamento da “Coalização Global do Trabalho”, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, com a presença dos presidentes do Brasil e Estados Unidos, Lula e Biden, lideranças sindicais, ministros de Estado e o secretário-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Gilbert Houngbo, é uma delas.
Não tenho dúvidas de o que presenciei nos Estados Unidos foi um importante marco na luta contra a exploração, por melhores condições de trabalho e, acima de tudo, de respeito à vida. Nos parece corriqueiro reafirmar compromissos humanistas. Mas lamentavelmente, os últimos anos trouxeram de volta a necessidade de se explicar o óbvio, como defender que a terra é redonda e não plana, que a democracia é melhor que a ditadura e que o respeito às diferenças entre pessoas e culturas é fundamental para a sociedade avançar. No mundo do trabalho, não é diferente.
Saiba mais: Lula e Biden colocam trabalhadores e sindicatos no centro do debate mundial
Este encontro produziu um documento, uma mensagem para o mundo, que dois importantes presidentes emitiram: não há democracia sem sindicatos fortes que deem voz à luta dos trabalhadores por melhores condições de vida. Com sindicatos fracos, o trabalhador fica enfraquecido no processo de negociação com o patrão, em uma queda-de-braço evidentemente desigual. Também não existe economia que cresça e se torne pujante sem uma classe trabalhadora bem-remunerada, que possa prosperar e viver com dignidade. No Brasil, por exemplo, o consumo das famílias representa cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB). Portanto, o salário do trabalhador é o combustível que impulsiona o motor do PIB brasileiro.
Além disso, a declaração conjunta defende que os trabalhadores estejam “no centro das decisões políticas”, que vão incentivar a geração de empregos com cobertura de direitos trabalhistas e proteger quem trabalha por meio de plataformas digitais, como entregadores e motoristas. Trata-se de um “cavalo de pau” dos EUA na condução de sua economia e no seu relacionamento com os assalariados do país.
No fim da 2ª Guerra Mundial, a OIT publicou a Declaração da Filadélfia, em que reafirmava valores para o desenvolvimento saudável da humanidade muito parecidos com os que foram declarados em Nova Iorque esta semana. Combater a exploração do homem pelo homem, conter os abusos do capital, garantir uma remuneração justa que dê dignidade aos trabalhadores são princípios que já estavam no documento da OIT, elaborado em parceria com sindicatos americanos e europeus, datado de 10 de maio de 1944 e oficializado em 1946. A união de diferentes forças – como comunistas (URSS) e capitalistas (EUA) – derrotou o nazismo e o autoritarismo que ceifou milhões de vidas na Europa e mundo afora em setembro de 1945.
Quase 80 anos depois e em pleno século XXI, setores influentes da imprensa brasileira insistem em demonizar os sindicatos – como aliás, faziam os nazistas – e a necessária criação de dispositivos que garantam o custeio das organizações que representam os interesses dos trabalhadores no Brasil. Não obstante, a participação central do sindicalismo no processo que culminou na declaração conjunta de Lula e Biden – e o simbolismo disso – foi completamente apagada da cobertura midiática.
O neoliberalismo fracassou como modelo econômico, produzindo a maior concentração de renda e riqueza da história da humanidade. Não é razoável que um punhado de pessoas detenham mais da metade da riqueza mundial, enquanto centenas de milhões de trabalhadores tenham que se submeter a regimes de trabalho escravocratas, enfrentando jornadas de trabalho intermináveis para garantir um prato de comida na mesa. As consequências dessa realidade estão no centro da crise que a sociedade moderna atravessa.
É sabido que o empobrecimento dos trabalhadores é um dos ovos que chocaram e que fizeram ressurgir o fascismo e a extrema-direita em centenas de países, entre eles, o Brasil. A saída para conter o avanço do autoritarismo e do discurso de ódio na política – e na sociedade – pode estar em algo tão antigo como moderno: garantir às classes trabalhadoras a possibilidade de prosperar através de salários dignos que os façam voltar a ter otimismo em relação ao futuro.
Em um momento que testemunhamos grandes avanços tecnológicos com o advento da era digital, que traz enormes benefícios à sociedade, não podemos deixar para trás a coisa mais importante, responsável por todos esses avanços: as pessoas.
Por Antonio Neto, presidente da CSB
Fotos: Ricardo Stuckert/PR
*Texto publicado originalmente em CartaCapital