Em julgamento sobre vínculo de emprego entre um ciclista e a Uber, a 2ª turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) afirmou que a plataforma promove a gamificação do trabalho, ou seja, premia ou pune os prestadores de serviço como um videogame.
Os magistrados do TST entenderam que os trabalhadores têm uma relação de subordinação com plataformas como a Uber por causa dos algoritmos, que estabelecem metas e bloqueiam aqueles que não as cumprem, muitas vezes sem explicar exatamente quais foram os critérios que causaram o bloqueio.
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O argumento utilizado no julgamento de uma ação no início deste mês já foi explorado em estudos e em decisões judiciais tanto no Brasil quanto na Europa.
Segundo a tese da gamificação, os trabalhadores são recompensados ou punidos automaticamente de acordo com o comportamento.
A Uber, por sua vez, nega que haja gamificação ou “subordinação algorítmica” na plataforma e afirmou que vai recorrer da sentença. De acordo com a nota enviada pela empresa à Folha de S.Paulo, a decisão do TST tem “fundo ideológico”.
O caso julgado
A ação que foi julgada pelo TST foi movida por um trabalhador de São José dos Pinhais (PR), que fez entregas pela Uber Eats entre maio e julho de 2021, até ser bloqueado.
No processo, ele incluiu registros das corridas, com trajetos, horários e valores recebidos.
Para sustentar a tese de subordinação, a desembargadora Margareth Costa se baseou em um estudo sobre aplicativos feito pelo Ministério Público do Trabalho intitulado “Empresas de transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos”.
No estudo, os pesquisadores citam um caso francês no qual a Justiça viu vínculo de emprego entre os participantes de um reality show e a produtora do programa, pois eles eram pagos para participar e deviam seguir as regras do jogo para não serem eliminados.
“A subordinação dos dirigidos aos dirigentes cede à ideia do controle por ‘stick’ [porrete] e ‘carrots’ [premiação]”, afirmam os pesquisadores. “Aqueles que seguem a programação recebem premiações, na forma de bonificações e prêmios; aqueles que não se adaptarem aos comandos e objetivos são cortados ou punidos”, explicam.
Em sua decisão, a desembargadora escreveu que a gamificação é “um repaginado exercício de subordinação jurídica” e que a possibilidade de o trabalhador pode se desconectar quando quiser, na prática, não existe, já que o menor tempo de conexão e a recusa de entregas geram restrição de demanda (punição).
“Ou seja, a empresa, de forma totalmente discricionária, decidia sobre a oferta de trabalho, o rendimento e até a manutenção ou não do reclamante na plataforma, o que evidencia o seu poder diretivo”, afirmou a juíza.
Desta forma, Costa decidiu que o trabalhador tinha direito à carteira assinada e que a empresa violava também o artigo 6º da Constituição, que garante direitos sociais como a contribuição previdenciária.
Luta por direitos
A garantia de direitos a trabalhadores em aplicativos é um tema de luta e discussão constante por parte da CSB e das demais centrais sindicais, que participam do Grupo de Trabalho tripartite (governo, empresas e trabalhadores) para criar um projeto de lei que garantisse proteção a motoristas e entregadores.
O assunto foi tema também de um encontro na CSB entre sindicalistas brasileiros e norte-americanos na última quarta-feira (18), em que discutiram a precarização pela qual esses trabalhadores passam em ambos os países.
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O presidente da CSB, Antonio Neto, elogiou a tese utilizada pelo Tribunal na decisão e afirmou que ela ajuda a tornar clara a subordinação que existe na relação entre trabalhadores e plataformas.
“A gamificação na plataforma impõe uma diferenciação entre os valores pagos aos trabalhadores, o que claramente demonstra o elo entre a produção e o ‘contrato’ firmado pela plataforma com o usuário. Ou seja, só não enxerga o vínculo quem não quer por benefício próprio”, comentou.
No início do mês, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, participou de uma plenária da CSB e também criticou as condições de trabalho em aplicativos como Uber e Ifood.
“A sociedade tem que refletir se um garoto ou uma garota lhe entregando uma comida quentinha em minutos, se ele está sendo bem remunerado, se ele está tendo o mesmo direito de levar essa comida para sua família. Ou não importa? O meu bem-estar pode ser servido pelo trabalho análogo à escravidão? Por um trabalho ultraprecário? É isso que a sociedade brasileira pensa? Não acredito”, disse na ocasião.
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Com informações de: Folha de S.Paulo