Compromisso de Temer em reforma não é confiável, diz sindicalista ao sair do PMDB

Presidente da CSB afirma que discussão com o governo previa outro modelo, com valorização da negociação coletiva e da estrutura sindical. Para ele, partido assina um “atestado de óbito” eleitoral

Antonio Neto não se recorda quando assinou a ficha de filiação ao PMDB, mas deve ter sido na primeira metade dos anos 1980. “Já estávamos na campanha do Montoro”, lembra, citando o ex-governador paulista Franco Montoro, eleito em 1982, na primeira eleição direta após 1964, ainda no período da redemocratização. Neto tinha 30 anos (nasceu em dezembro de 1952, em Sorocaba, interior paulista) e era militante do antigo MDB. Nesta semana, ele anunciou a desfiliação do partido, no qual presidia o Núcleo Sindical.

“É uma sensação difícil de explicar. O momento está exigindo uma tomada de posição. O partido envereda para um reformismo que é a antítese da necessidade do povo trabalhador”, diz o também presidente da CSB, central reorganizada a partir de 2012 e que hoje conta, segundo informa, com 800 entidades filiadas. “O partido está assinando um atestado de óbito para as eleições de 2018 com a postura que vem tomando”, afirma Neto, criticando o modo como as reformas foram encaminhadas pelo governo Michel Temer, também do PMDB.

Uma dessas reformas altera profundamente a legislação trabalhista. O projeto (PLC 38) deverá ser votado na próxima terça-feira (11) no plenário do Senado. Para tentar convencer os parlamentares, Temer encaminhou, por meio do líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB-RR), uma carta em que se compromete a alterar alguns itens do projeto após a aprovação, com vetos e uma medida provisória. À pergunta se esse compromisso é confiável, Neto responde seco: “Não”.

Para ele, a carta foi uma forma de “enganar o Senado” para não alterar o projeto em relação ao texto vindo da Câmara, onde foi aprovado como PL 6.787. A estratégia do governo foi manter o texto para acelerar a tramitação. “O Senado abriu mão de legislar”, critica o presidente da CSB, que no início do processo participou de negociações com o Ministério do Trabalho para uma reforma que acabou bastante alterada na Câmara.

“Era uma negociação em cima de sete pontos, para fortalecer a negociação coletiva e a estrutura sindical. Viraram 117, com alguns assuntos esdrúxulos, que sequer foram conversados”, afirma Neto. Mesmo o debate na Câmara deu-se sobre o texto vindo do Executivo. O substitutivo do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), conta o sindicalista, só apareceu no final. Ele observa que muitos senadores, inclusive da base governista, concordam que o projeto tem problemas, mas não alteraram o texto. “Eles concordam conosco que está errado e, mesmo assim, mandam para o presidente (Temer) uma sugestão de veto. Então, precisa de Senado para quê?”

Neto contesta argumentação de Jucá, repetida ontem, quando o governo aprovou a urgência para o PLC 38, de que o projeto ajudará na criação de empregos. “Ele sabe que está mentindo”, diz o sindicalista, para quem a reforma “no máximo” substituirá trabalhadores formais por precarizados. “Em lugar nenhum do mundo isso funcionou.”

Ele conversou com alguns peemedebistas sobre sua saída da partido e as medidas adotadas pelo governo – que, na sua avaliação, aprofundam a recessão. “As lideranças não nos deram ouvidos. Não há a reciprocidade de ouvir.” Sobre as chances de Temer sobreviver às denúncias, Neto avalia que dependerá do que ocorrer nos próximos dias, principalmente se outros integrantes da “tropa de choque” foram envolvidos. “Virão outras (denúncias), pelo menos três.” A prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima causou um “profundo estrago”, acrescenta.

No mundo ideal, observa o dirigente, o melhor seria realizar eleições gerais, “de vereador a presidente da República”, mas ele considera um objetivo difícil de atingir. “Até para fazer eleição direta (para presidente), que alguns estão defendendo no romantismo exacerbado, precisaria fazer alterações na Constituição”, diz Neto, para quem é melhor não se iludir. Segundo ele, o governo deveria ter encaminhado uma reforma política, em vez das criticadas reformas previdenciária e trabalhista. “Foi um erro crasso.”

O sindicalista ainda avalia se migrará de partido. “Não vou abrir mão de exercitar minha cidadania. Vamos ver se é necessário, se é viável”, afirma, descartando candidatura no ano que vem. Para ele, o PMDB vive uma “crise de identidade”, adotando uma “linha reformista neoliberal, muito conservadora”.

Ele recorda de antigos líderes, como o próprio Montoro, Ulysses Guimarães, Itamar Franco, Almino Affonso, Orestes Quércia. Há poucos dias, o líder do partido no Senado, Renan Calheiros (AL), deixou o cargo por discordância com o governo – e a legenda encontra dificuldade na substituição. O líder na Câmara, Baleia Rossi, também sofre contestações. “É uma fase difícil para o PMDB, um partido com a história que tem”, lamenta.

No início do mês, o presidente da legenda, o mesmo Jucá, afirmou durante o Encontro de Formação Política para a Juventude, realizado pela Fundação Ulysses Guimarães, que quem quisesse poderia sair. “Não queremos todos”, disse o chefe.

Neto observa ainda que a chamada Ponte para o Futuro, programa de reformas, não se trata de um produto partidário, mas da própria fundação, com resistências internas. “Mesmo assim, querem implementar, atropelando o próprio partido.”

Fonte: Brasil Atual

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