Completando dois anos nesta quinta-feira (3), a Lei da Igualdade Salarial (Lei nº 14.611) representa um marco na busca pela equiparação salarial entre gêneros no mercado de trabalho brasileiro e atende a uma demanda histórica do movimento sindical. Apesar de sua importância, os dados observados desde então demonstram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que a igualdade seja de fato alcançada.
Promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e regulamentada pelo Decreto nº 11.795/2023, a lei exige que empresas com mais de cem funcionários tornem públicas as informações salariais. A implementação desta política é conduzida em conjunto pelos Ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres (MMulheres), visando ampliar a transparência nas relações trabalhistas.
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A obrigatoriedade de salários iguais para funções equivalentes, porém, não é uma novidade na legislação brasileira. A própria CLT, em seu artigo 461, estabelece que “todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá a igual salário, sem distinção de sexo”. Esse princípio foi posteriormente reforçado pela Constituição Federal de 1988 como direito fundamental. Contudo, a diretriz ainda não é seguida na prática.
“O problema é que nas últimas duas décadas, estamos estagnados em relação à diminuição dessas diferenças, até mesmo por grande parte das empresas com 100 ou mais funcionários. Ainda temos muitas empresas em que não há mulheres em todos os tipos de cargos, em especial nos cargos de gerência e direção. Portanto, a lei vem para voltar a colocar o tema em debate e para acelerar a diminuição dessa desigualdade estrutural onde as mulheres ganham menos do que os homens”, argumenta Paula Montagner, subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho.
A secretária nacional da Mulher Trabalhadora da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonieta de Faria, reforça que a legislação, embora necessária, ainda enfrenta obstáculos para ser implementada.
“A lei foi um passo importante para chamar atenção à desigualdade, mas ainda estamos longe da equidade real. Muitas empresas cumprem apenas o mínimo burocrático, sem promover mudanças estruturais na carreira das mulheres. A capacidade de fiscalização também é limitada, por mais que nós das entidades sindicais também busquemos – desde sempre – fiscalizar e conscientizar empregadores sobre não apenas a justiça, mas as vantagens de se ter igualdade no ambiente de trabalho”, avalia Antonieta.
O 3º Relatório de Transparência Salarial evidencia que a baixa inclusão de mulheres em diversas ocupações contribui para ampliar a desigualdade salarial, especialmente em cargos de gerência, direção e funções de nível superior. “Além disso, a maioria das mulheres continua a acumular sozinhas as responsabilidades pelo trabalho doméstico não remunerado, com a diferença que para quase metade delas lhes cabe ser a principal provedora de suas famílias”, acrescenta Paula.
O relatório analisou mais de 19 milhões de contratos de trabalho em 53.014 estabelecimentos com cem ou mais funcionários, e revelou que as mulheres recebem, em média, 20,9% menos que seus colegas homens – patamar que se mantém estável desde 2023, mesmo com o aumento de 1 milhão no número de vínculos analisados.
No entanto, uma pequena melhora foi observada: cresceu o número de empresas onde a diferença salarial não ultrapassa 5%. No caso dos salários médios de contratação, essa condição é observada em 57% das empresas, enquanto para a remuneração média, 32,7% das empresas já atingiram esse patamar — boas práticas que podem servir de exemplo para outras organizações.
Para Antonieta de Faria, a transparência salarial é apenas um primeiro passo em um caminho mais amplo: “Precisamos combater os vieses inconscientes que mantêm mulheres fora dos cargos de liderança e valorizar setores majoritariamente femininos, como educação e saúde, historicamente com remunerações baixas. A lei é uma ferramenta, mas não resolve sozinha toda uma história de discriminação”, pontua.
Outro ponto importante é que essa disparidade reduz o potencial da economia. De acordo com um cálculo conservador, se a massa salarial das mulheres fosse proporcional à sua participação no mercado de trabalho (40,6% em 2024), conforme o Relatório de Transparência Salarial de março de 2025, seriam pagos R$ 95 bilhões a mais, aumentando a massa salarial total em cerca de 10% e, consequentemente, o dinheiro em circulação na economia.
O relatório também reforça a necessidade de avançar para que mais empresas adotem políticas de contratação de mulheres. Entre as empresas analisadas, apenas 31% afirmaram ter alguma ação voltada à inclusão feminina. O documento destacou ainda que apenas 22,9% das empresas possuem políticas de auxílio-creche, o que limita capacidade das mães de competirem com igualdade com colegas homens ou pessoas sem filhos.
“Esse dado é preocupante, pois as mulheres com filhos precisam de locais seguros para deixá-los, o que lhes permite cumprir jornadas de trabalho mais longas”, ressalta Paula Montagner.
Em abril, o governo federal publicou um guia para orientar entidades sindicais a incluírem a igualdade salarial nas negociações coletivas, como mais uma estratégia de ampliar a aplicabilidade da lei. Cliquei aqui para acessar o guia.
Com informações de Agência Gov