O governo Jair Bolsonaro (sem partido) passou a recusar recursos arrecadados em decorrência de infrações trabalhistas, usados diretamente para equipar grupos de fiscalização do próprio governo, e determinou que esses valores e bens sejam destinados ao FDD (Fundo de Defesa dos Direitos Difusos) ou ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
A mudança no uso de recursos e bens —como caminhonetes destinadas à atuação de auditores-fiscais do trabalho— esvazia a fiscalização trabalhista, em razão da forte dependência de gerências e superintendências regionais a bens, serviços e obras previstos nos TACs (termos de ajustamento de conduta) assinados pelo MPT (Ministério Público do Trabalho).
Auditores, integrantes do MPT e a Justiça do Trabalho apontam um retrocesso na imposição feita pelo governo Bolsonaro, capitaneada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência. A medida pode paralisar fiscalizações de trabalho escravo, acidentes de trabalho e trabalho infantil, segundo críticos da medida.
A mudança foi efetivada após a recriação do Ministério do Trabalho no fim de julho, uma ação de Bolsonaro para reacomodar na Esplanada um de seus principais aliados no campo político, Onyx Lorenzoni.
Bolsonaro havia extinguido a pasta assim que chegou ao Palácio do Planalto, em 2019. O Trabalho havia sido agregado ao Ministério da Economia, de Paulo Guedes.
Um ofício do Ministério do Trabalho e da Previdência de 27 de outubro, obtido pela Folha, comunica a subsecretarias, coordenações e superintendências regionais a “impossibilidade de recebimento de bens patrimoniais ou recursos financeiros decorrentes de TAC ou aplicação de multas”.
O ofício é assinado pelo secretário de Trabalho do ministério, Luís Felipe Batista de Oliveira.
Quando recebe uma denúncia, o MPT costuma acionar equipes de fiscalização formadas por auditores vinculados ao Ministério do Trabalho. Um relatório —sobre trabalho escravo, sobre um acidente de trabalho ou sobre outra questão relacionada— é enviado aos procuradores que integram o MPT, que podem, a partir daí, fazer um TAC com a empresa envolvida.
O acordo pode envolver pagamentos por danos morais coletivos. Na execução do acordo, é comum que entre as possibilidades previstas estejam a destinação de veículos, drones, obras ou serviços para o funcionamento das equipes de fiscalização.
Auditores ouvidos pela Folha relatam que, diante de restrições orçamentárias, essa é a única maneira de equipes saírem às ruas para fiscalização trabalhista. E também o único caminho para a própria existência de unidades regionais, em cidades distantes dos grandes centros urbanos.
Para mudar o destino de recursos previstos em TACs do MPT, o Ministério do Trabalho fez uso de dois pareceres jurídicos elaborados no governo Bolsonaro.
Um foi elaborado pela AGU (Advocacia-Geral da União), entre dezembro de 2019 e março de 2020, quando o então advogado-geral substituto, Renato de Lima França, avalizou o documento.
O outro é resultado de uma consulta feita pela Secretaria de Previdência e Trabalho, quando ainda estava vinculada à Economia. Foi elaborado pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) em agosto deste ano.
“Conforme consta do parecer da AGU, os valores destinados à indenização de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, pactuados no âmbito de TACs, incluindo as multas decorrentes de seu eventual descumprimento, devem ser destinados ao FDD ou, nos casos em que os direitos difusos ou coletivos possuam natureza trabalhista, ao FAT”, afirmou o ministério no ofício.
Já o parecer da PGFN, segundo a pasta, diz que o ministério não pode receber diretamente os bens e recursos destinados pelo MPT.
O ministério recomenda, então, que as unidades deixem de receber “bens permanentes (móveis e imóveis), serviços, obras ou mesmo recursos financeiros oriundos do MPT em decorrência de TACs”.
Se a recomendação não for atendida, agentes públicos poderão ser responsabilizados, conforme o ofício.
As previsões feitas em TACs garantiam custeios básicos, como gasolina e pneus de carros.
Fonte: Brasil Independente