Trabalho em aplicativos cresce 170% em dez anos e traz desafios regulatórios e de precarização

O crescimento do trabalho por aplicativos no Brasil representa uma mudança estrutural com impacto duplo: enquanto eleva indicadores formais de ocupação, consolida relações de trabalho marcadas pela jornada extensa, renda em queda e baixa proteção social. Dados do Banco Central (BC) e de institutos de pesquisa revelam as duas faces desse fenômeno que se expandiu 170% na última década, passando de 770 mil para 2,1 milhões de trabalhadores entre 2015 e 2025.

Um relatório do BC divulgado nesta quinta-feira (25) reconhece o papel dos aplicativos na dinâmica do mercado de trabalho. A análise, contida no Relatório de Política Monetária do terceiro trimestre, estima que, na ausência dessas plataformas, a taxa de desemprego atual de 4,3% poderia ser entre 0,6 e 1,2 ponto percentual maior, alcançando até 5,5%. Os exercícios do BC sugerem que a maioria dos trabalhadores de aplicativos estava anteriormente fora da força de trabalho, e não migrou de outras ocupações.

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Contudo, por trás do efeito positivo nos índices de ocupação, evidencia-se um cenário de precarização. Estudos especializados apontam que a renda média dos trabalhadores caiu significativamente com a massificação das plataformas. De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulada “Plataformização e Precarização do Trabalho de Motoristas e Entregadores no Brasil”, o rendimento médio dos motoristas de passageiros, que era de aproximadamente R$ 3,1 mil entre 2012 e 2015 (quando havia 400 mil profissionais), caiu para menos de R$ 2,4 mil em 2022, quando o total de ocupados se aproximou de 1 milhão.

Jornadas mais longas e menos proteção social

A deterioração das condições de trabalho vai além da queda da renda. O mesmo estudo do Ipea mostra um aumento expressivo das jornadas extensas. A proporção de motoristas que trabalham entre 49 e 60 horas por semana subiu de 21,8% em 2012 para 27,3% em 2022. Paralelamente, houve um colapso na formalização previdenciária: o percentual de motoristas de passageiros que contribuem para a Previdência Social caiu de 47,8%, em 2015, para 24,8% em 2022.

Essa realidade corrobora as conclusões do relatório Fairwork Brasil, que atesta a ausência de padrões mínimos de trabalho decente nas principais plataformas. Nenhuma das empresas analisadas conseguiu evidencer o oferecimento de uma remuneração justa aos seus trabalhadores, conforme o estudo.

Impacto macroeconômico e desafios regulatórios

Apesar do crescimento expressivo em números absolutos, os trabalhadores de aplicativos de transporte ainda representam uma fatia relativamente pequena da população ocupada, passando de 0,8% para 2,1% entre 2015 e 2025. O BC ressalta que a atividade “tem crescido e se tornado relevante para a economia brasileira”, sendo inclusive incorporada ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a partir de 2020. Em agosto de 2025, o transporte por aplicativo teve peso de 0,3% no índice inflacionário.

A análise do Banco Central conclui que as plataformas digitais “representam uma mudança estrutural no mercado de trabalho, que contribuiu para o maior ingresso de pessoas na força de trabalho e na ocupação”. No entanto, os dados sobre precarização indicam que o desafio para formuladores de política pública será conciliar a flexibilidade proporcionada por esse modelo com a garantia de direitos trabalhistas básicos e proteção social para uma parcela crescente da força de trabalho nacional.

Com informações de Agência Brasil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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