Não podemos repetir o erro de mais um monopólio
A Ferrovia Norte-Sul é assunto relevante que merece a atenção e o interesse dos brasileiros. Mais: deve ser motivo de preocupação.
O projeto completo da ferrovia, iniciado na década de 1980, foi estruturado para torná-la a espinha dorsal do sistema ferroviário brasileiro, conectando as zonas produtoras centrais aos principais portos de escoamento.
Infraestrutura e logística são fundamentais: dão competitividade e permitem custos menores de frete que se refletem, na ponta, em preços mais baixos ao consumidor.
Pelo valor estratégico e pelo elevado custo no bolso do contribuinte (cerca de R$ 17 bilhões), a Ferrovia Norte-Sul deveria atender ao interesse público, garantindo mais competitividade ao Brasil. Só que não.
Foi um erro o leilão realizado ontem pelo governo, que concedeu a gestão de toda a Norte-Sul por 30 anos, mas não garantiu o direito de passagem para múltiplas empresas. Com mais empresas usando a ferrovia, haveria mais concorrência, mais empregos e menor “custo Brasil”.
Em países avançados, as vencedoras desse tipo de leilão são obrigadas a dar direito de passagem para as outras empresas em até 30%.
Aqui, fizeram um leilão permitindo 30 anos de concessão e o direito de passagem assegurado é de apenas cinco anos, com um volume de toneladas que beira o ridículo. Ninguém investirá no transporte ferroviário.
O governo se diz liberal, mas, permitiu reserva de mercado, o que ajudou a concentrar o frete do país. Na malha ferroviária concedida, dois terços dos trechos estão abandonados. As duas empresas só investem nos rentáveis.
Para se ter uma ideia do impacto, enquanto o custo operacional por mil toneladas por quilômetro na rodovia é de R$ 36, na ferrovia é de R$ 6.
Em nome do interesse público, entrei na Justiça solicitando a ampliação do uso da ferrovia porque considero uma questão de Estado.
Não podemos repetir o erro de criar um novo monopólio, a exemplo da JBS. Somos testemunha do que foi a formação desse grupo que quase destruiu a pecuária brasileira.
As exportações do setor agrícola brasileiro já ultrapassam US$ 102 bilhões ao ano, com superávits comerciais anuais superiores a US$ 88 bilhões. Estima-se que a safra agrícola, neste ano, alcançará 230,7 milhões de toneladas. Apenas 10% transitam pelas nossas ferrovias.
O maior responsável por este êxito é o agricultor. Graças a ele, nossa agropecuária é mundialmente reconhecida. Foi uma conquista de anos e anos de trabalho.
Se o governo não pode ajudar, que não venha atrapalhar com leilões restritivos, que não garantem a concorrência nem o aumento da produtividade.
Kátia Abreu
Senadora da República (PDT-TO) desde 2007 e ex-ministra da Agricultura (2015-2016, governo Dilma)
Fonte: Folha de S.Paulo