Por Paulo Sergio João
O Diário Oficial de 27 de julho publicou Portaria do Ministério da Economia/Secretaria Especial de Previdência e Trabalho nº 17.593, de 24 de julho de 2020, dispondo sobre procedimentos administrativos para o registro de entidades sindicais pelo Ministério da Economia.
A portaria reproduz realidade de difícil preservação ou manutenção de sindicatos criados após a CF de 1988. O instrumento de novos sindicatos se dava por desmembramento de uns ou criação de novas categorias por critérios os mais diversos.
Na mesma proporção em que foram criados sindicatos, mais preocupados na contribuição sindical compulsória, neste momento, pós reforma trabalhista, a crise de representatividade e legitimidade se instalou e o “sonho” da categoria foi se desfazendo porque a contribuição sindical deixou de ser obrigatória e a associação sindical de raiz não se revelou significativa a ponto de contribuir financeiramente.
Entre a reforma trabalhista em 2017 e a atual portaria, os sindicatos disputaram perante o STF a sustentação da inconstitucionalidade da nova redação dos artigos 578 e 579 da CLT, resultando ao final pelo reconhecimento de sua constitucionalidade pela maioria dos ministros da Corte Suprema (Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.794 MC/DF — ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos, Contimaf, e outras entidades sindicais laborais, mais a Confederação Nacional de Turismo e outras entidades patronais).
Desta feita, o esvaziamento dos cofres dos sindicatos era previsível e o encerramento da representação de alguns igualmente. Em artigo publicado nesta coluna sob o título “Novas perspectivas nas relações de trabalho”, afirmamos sobre os possíveis efeitos para a organização sindical pós-reforma dizendo que “outro aspecto relevante nas perspectivas do Direito Coletivo do Trabalho foi a adoção do critério facultativo da contribuição sindical e que poderá produzir uma transformação no modelo de organização sindical por categoria”.
“Assim, a busca desenfreada que tivemos pós-Constituição Federal de 1988 no desmembramento de categorias, com nítido interesse econômico, poderá retroagir para a revisão na forma de organização de grupos e, quiçá, com abandono da estrutura por meio de categoria, facilitando a negociação pelo conjunto de trabalhadores na empresa, sem se falar em categoria preponderante, estabelecendo igualdade de tratamento entre os trabalhadores.”
E, assim, a Portaria 17.593 vem confirmar o desmanche do modelo e a transformação dos sindicados por fusão ou incorporação, ou seja, as entidades de primeiro grau (sindicatos) ou de segundo grau (federações e confederações) poderão (1) rever seus estatutos para alteração de categoria e base territorial; (2) solicitar a fusão de sindicatos; (3) solicitar a incorporação de uma entidade sindical pela outra.
Destaque-se que, por aplicação do direito à liberdade sindical, as entidades sindicais gozam de autonomia na gestão e não estão obrigadas a rever estatutos, base territorial ou buscar fusão ou incorporação com outros sindicatos.
O detalhamento da Portaria quanto aos requisitos do pleito e acolhimento dos pedidos de registro são enormes e, certamente, talvez poderiam servir para fortalecer o modelo antigo e repetir o já ultrapassado critério de categoria sindical.
E, ao final, depois de preenchidos os detalhamentos, o artigo 34 repete que deferido o registro “a entidade poderá requerer junto à Subsecretaria de Relações do Trabalho da Secretaria do Trabalho a geração do respectivo código sindical”, que permite a abertura de conta bancária na CEF para que as contribuições sindicais sejam creditadas.
Portanto, a Portaria pretende insistir na representatividade administrativa, com forte intervenção do Estado, esbarrando na proibição do artigo 8º, I, da Carta Magna.
Neste sentido, no artigo 17 (Seção IV — Da Solução dos conflitos entre entidades sindicais impugnante e impugnada) chega a afirmar que não será aceita como solução de conflito a eventual alteração de representação que amplie a categoria ou a base territorial objeto do litígio, cujos efeitos no modelo conservador do passado poderia funcionar mas, nos dias atuais, os efeitos dessa negativa (se importante fosse) não tem efeitos jurídicos relevantes para as negociações coletivas.
O enfrentamento da realidade da Portaria está no reconhecimento de que a representação por categoria foi desastrosa e desvinculada de efetiva identificação de trabalhadores com o sindicato, permitindo a revisão de enquadramento em setores a fim de que haja uma saída para os desmembramentos apressados ou novas categorias sem aderência dos trabalhadores.
Nas relações coletivas de trabalho e nos embates de negociação o mais relevante e jurídico é que haja efetiva manifestação da autonomia coletiva, fruto de assembleia dos interessados representados por sindicatos ou comissões no âmbito das empresas. A segregação por categoria serviu ao longo dos anos para aumentar a insegurança jurídica e as desigualdades no âmbito das empresas e a transformação dos sindicatos com incorporação de outros agrupamentos de trabalhadores pode sinalizar que outro modelo se aproxima.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas.
Revista Consultor Jurídico