Enquanto a palavra “burocracia” é comumente associada a processos demorados (e muitas vezes considerados desnecessários), a figura do servidor público – operador da tal buracracia – é vista como privilegiada e pouco eficiente. Professora de administração pública da FGV (Fundação Getulio Vargas) e coordenadora do núcleo de estudos da burocracia, Gabriela Lotta é uma das principais especialistas do mundo na área e rejeita totalmente essas ideias enraizadas no senso comum.
“No senso comum, a palavra costuma ser associada a coisas negativas: excesso de papelada, procedimentos lentos e demorados. Mas, na sua origem, burocracia quer dizer justamente o contrário: são procedimentos estáveis e racionais, criados para dar mais eficiência e garantir que as coisas funcionem e cheguem ao resultado esperado. O que normalmente chamamos de ‘burocracia’ de forma pejorativa, na verdade, são as falhas ou distorções desses procedimentos – quando eles viram algo exagerado ou cheio de exceções”, explica.
Ela estende essa reflexão para o funcionalismo público, notando que a imagem do servidor como um “marajá” que ganha muito e trabalha pouco é um estereótipo que esconde a realidade da maioria. Lotta argumenta, por exemplo que mais de 70% dos servidores públicos ganham menos de R$ 5 mil por mês e muitos deles trabalham turnos exaustivos para salários modestos, como professores e policiais.
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A especialista adverte que essa visão negativa é perigosa porque não apenas distorce os fatos, mas também porque promove soluções que ameaçam a democracia. Ela defende que “sem burocracia (no sentido de regras e procedimentos racionais) e sem servidores públicos estáveis, a democracia e a cidadania não se sustentam”.
Ela lembra, por exemplo, que as eleições “só acontecem de forma regular porque existem regras claras e servidores concursados que garantem o processo” e que até direitos básicos podem ser ameaçados sem estabilidade. “Até para que todo cidadão tenha um documento como CPF ou RG, é preciso haver procedimentos e servidores – caso contrário, um governo poderia simplesmente decidir que um grupo de pessoas não merece ter documento”, aponta.
A pesquisadora ressalta ainda o papel crucial dos agentes públicos na linha de frente, representando a “face do Estado” para a população, e enfatiza que a política pública acontece, de fato, através desses profissionais. “O que um professor faz em sala de aula é a política de educação. O que um médico faz no consultório é o SUS funcionando”. No entanto, alerta, são “justamente esses profissionais – que garantem os direitos e sustentam os serviços – são os menos valorizados no serviço público: recebem piores salários, enfrentam más condições de trabalho, muita pressão, excesso de demanda e pouca formação”.
Para melhorar as políticas públicas, a professora defende que é essencial “valorizar quem está na ponta: pagar melhor, oferecer formação de qualidade e garantir recursos para que tomem boas decisões”, pois do contrário, “quem perde com isso é toda a sociedade”.
Com informações de Folha de S.Paulo
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil