O trabalhador que renega sindicato e acha que reajuste cai do céu

Além do sujeito que parcelou o Renegade em 24 vezes e está pânico com projetos que taxam (um pouquinho) os super-ricos, outra figura que tem se feito presente é o trabalhador que acha que reajuste salarial surge de geração espontânea, da vontade de Deus ou, pior, de uma concessão bondosa da alma patronal. Sindicato? Tem nojo.

Há sindicatos picaretas e há os bons, responsáveis por negociações que garantem a recomposição de salários diante da inflação e, eventualmente, ganhos reais, além de proteções e benefícios consolidados em convenções coletivas. A Reforma Trabalhista desidratou ambos igualmente com o fim do imposto sindical.

Agora, as centrais sindicais estão se organizando, com o apoio do Ministério do Trabalho e Emprego, para a criação de uma contribuição negocial. Diferentemente de um imposto obrigatório, a taxa seria cobrada caso o sindicato tivesse sucesso na negociação. E seu valor passaria por votação de assembleia da categoria. Esse é o modelo em muitos sindicatos de países “comunistas”, como os Estados Unidos e boa parte da Europa Ocidental.

O Supremo Tribunal Federal formou maioria, na semana que passou, para garantir que sindicatos possam cobrar essa contribuição mesmo dos trabalhadores não-sindicalizados. Quem não quiser contribuir, terá que deixar isso registrado no sindicato.

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Até porque todos os trabalhadores serão beneficiados com o esforço de discutir por semanas ou meses com as associações patronais.

Se a unicidade sindical, que garante que apenas um sindicato represente uma categoria por localidade, fosse abolida, antiga bandeira de muitos sindicalistas, poderíamos avançar por algo ainda melhor: a pessoa não quer contribuir? Sem problema, se o reajuste for obtido, a empresa não tem obrigação de beneficiar a pessoa. Como ocorre no “comunista” EUA.

Muita gente boa defende que os trabalhadores têm capacidade de negociar individualmente com o empregador. Alguns realmente têm, seja porque oferecem um diferencial, seja porque a empresa conta com uma boa política nesse sentido. Mas e a massa restante? Para ela, a representação se faz necessária.

Ninguém faz milagres, mas categorias organizadas, com sindicatos mais fortes conseguem melhores resultados. Enquanto isso, profissões com baixa participação, como a nossa, têm mais dificuldades.

Exceção a essa regra foi a mobilização de jornalistas em São Paulo, em 2021, que contou com centenas de jovens profissionais. Houve até paralisação de atividades, para pressionar na negociação, o que seria impensável tempos atrás.

Nós, jornalistas, muitas vezes não nos reconhecemos como classe trabalhadora. Devido às peculiaridades da profissão, desenvolvemos laços com o poder e convivemos em seus espaços sociais e culturais, seduzidos por ele ou enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e que também somos operários, transformando fato em notícia, quando nossos serviços não são mais necessários em determinado lugar.

Ou, às vezes, nem isso. Já vi colegas se culparem por terem sido demitidos sem justa causa no melhor estilo “perdoa-me por me traíres” de Nelson Rodrigues. “Deveria ter virado mais madrugadas na redação”, “deveria ter me oferecido para trabalhar em todos os finais de semana”, “não deveria ter pedido férias depois de dois anos”.

Negociar é, não raro, visto como coisa de caixa de banco, de operário sujo de graxa ou de condutor de trem que atrasa nossa vida e gera congestionamentos na cidade – isso sim pauta. Ou de inglês, francês e norte-americano que são Primeiro Mundo. Enquanto isso, quem tem consciência de que é um trabalhador e reivindica coletivamente, como muitos bancários, metalúrgicos e metroviários, tem mais chances de obter o que acha justo.

Quando vejo algumas coberturas jornalísticas de protestos e greves ou do debate sindical fico pensando como nós, que não conseguimos nos reconhecer como classe trabalhadora, podemos entender as reivindicações de trabalhadores. O fato é que não somos observadores externos e nem podemos ser. Somos parte desse tecido social, desempenhamos uma função, somos parte da engrenagem, gostemos ou não.

Muitos não se perguntam de onde vem o reajuste. Como uma criança que acha que o leite vem do mercado, pensamos que o reajuste vem do nada, sem ter sido fruto de muito diálogo entre capital e trabalho. Não é irônico que os profissionais que informam sobre e analisam a democracia diariamente não exerçam sua “cidadania profissional”?

A vida de jornalista, deixando de lado o falso glamour, não é fácil. Ainda mais para aqueles que são patrões de si mesmo, não por decisão própria (para empreender algo, por exemplo), mas porque foram empurrados para isso.

Não vou discutir as razões que levam à dispensa de colegas de profissão – os motivos vão desde a justa necessidade de sobrevivência do próprio veículo (fazer bom jornalismo é caro ainda mais em um momento em que o modelo de negócios do jornalismo está em crise) à má gestão.

Nenhum empresário do jornalismo gosta de demitir, porque força de trabalho gera riqueza. Para não ser leviano, cada empresa ou organização precisa ser analisada caso a caso.

Mas é interessante que, neste momento, roteiristas e artistas, anônimos e famosos, de Hollywood estejam em greve por melhores condições de trabalho, inclusive, por uma regulamentação do uso de inteligência artificial para não ferir direitos da categoria.

Tem gente que acha bonito as mobilizações em Los Angeles e dá like no Insta. Mas, ao mesmo tempo, amaldiçoa a existência de sindicatos. Vai entender.

Por Leonardo Sakamoto

*Texto publicado originalmente no UOL

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