Neri: ministro da SAE subsidia colegas na defesa do governo em ano eleitoral
Marcelo Neri se lembra exatamente do momento em que percebeu que havia sido “notado” pela presidente Dilma Rousseff. Ela lhe deu uma bronca durante um evento público. “Quero recomendar a leitura de um livro do Marcelo Neri, aquele que está ali sentado, conversando, mas não devia conversar. Da leitura do livro dele “A nova classe média”, que é, eu acredito, um dos estudos mais bem feitos a respeito desse processo que estamos vivendo no Brasil”.
Era abril de 2012 e ali se celebrava a marca de 1,5 milhão de beneficiados no Rio pela integração dos programas Renda Melhor, estadual, e o municipal Família Carioca ao Bolsa Família, desenhados por Neri. Dali a cinco meses, ele ocuparia a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Seis meses mais e Neri chegaria, interinamente, ao comando da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), cargo para o qual foi efetivado no início deste mês.
Junto com a titularidade, este carioca de 50 anos, torcedor do Fluminense, recebeu a missão de produzir uma batelada de indicadores para, a partir deles, produzir uma tese que deve nortear a campanha da presidente à reeleição: a de que, apesar do cenário não tão animador sob o ponto de vista dos indicadores econômicos, os ganhos sociais continuaram a se expandir no atual governo. Mais que isso, defende o ministro, a ascensão dos mais pobres se acentuou no governo Dilma.
O trabalho foi apresentado, em duas sessões neste mês a todos ministros do governo para dar-lhes argumentos de defesa da gestão – o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, viu a apresentação, composta por 42 slides, nas duas oportunidades. A presidente recebeu os números. Neri faz parábola futebolística para explicar a função. “Aqui na SAE a gente faz o meio de campo, dá o passe. A macroeconomia é a defesa, a área social é o ataque. A SAE é o Conca [meio-campista do Fluminense]”.
Neri avalia que são duas as principais dificuldades para se fazer uma avaliação do governo Dilma. “Primeiro, existe um descolamento muito forte entre indicadores econômicos e sociais. É um descolamento que até já existia, mas que, nos últimos três anos, ficou mais forte. E há ainda um descolamento distributivo. O topo da pirâmide está crescendo muito abaixo da base nos últimos 12 anos”.
As pesquisas domiciliares fundamentam o argumento dos “dois Brasis” de Neri. “Tem um Brasil das contas nacionais, que governa a maioria das análises econômicas, e há um Brasil que visita as casas das pessoas, que é o das pesquisas domiciliares. Um está descolado do outro”, defende. “Os brasileiros que estão mais próximos da parte superior da distribuição têm uma dificuldade grande de ver o Brasil profundo. A transformação está acontecendo lá embaixo”, continua.
Estrela da apresentação de Neri, o gráfico com o crescimento do PIB comparado ao crescimento dos números da Pnad, da renda mediana e do crescimento dos mais pobres atesta, resumidamente, que “quanto mais você se distancia da média e foca nos mais pobres, a melhora social é mais acentuada. E isso fica mais forte no governo Dilma, inclusive em relação aos anos de governo [do ex-presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva]”.
O gráfico de “grupos excluídos” também fez sucesso entre os ministros. “Nele você vê que a renda de mulheres, negros e periferia é destaque do Brasil, seja nos últimos 12 anos, seja no último ano, em termos de renda do trabalho”, diz.
Também compõem a apresentação dados favoráveis à gestão de Dilma e do PT sobre Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mercado de trabalho e o “risco positivo” do brasileiro ascender socialmente. “Há uma visão do Brasil pouco estrutural. Bolsa Família, Previdência e salário mínimo são importantes nessa conta de melhora de indicadores, mas o grande elemento é o mercado de trabalho”. O crescimento da renda individual nos três anos de governo Dilma, diz o ministro, não é menor que antes, mas existe uma diferença de componentes. “É menos pela ocupação e mais por salário. Isso denota uma certa escassez de mão de obra. O grande nó é que a renda das pessoas mais pobres tem crescido mais que as contas nacionais”, diz.
Em 2000, mostra a apresentação do ministro, 41% dos municípios tinham IDH muito baixo. Em 2010, são menos de 0,6%. “Isso é expectativa de vida, educação e renda também. A mortalidade infantil caiu 47% em 10 anos. O que é mais estrutural que isso? Tem uma revolução acontecendo aí”.
O risco “positivo”, de a renda subir, diz Neri, também nunca foi tão alto. Até o fim do governo Fernando Henrique Cardoso, defende, 16 em cada 100 cruzavam a mediana de baixo para cima. No fim do governo Lula, eram 23. Com Dilma, esse número chegou a 27 para cada 100 brasileiros.
O roadshow de números positivos de Neri estende-se a outras paragens. No dia em que recebeu a reportagem do Valor, o ministro acabara de sair de uma reunião com o Conselho de Estado Chinês, cujos integrantes se mostraram especialmente interessados nos avanços do Brasil no combate à desigualdade social. “Disse a eles que o país perfeito combinaria os avanços macroeconômicos da China com os recentes avanços sociais do Brasil”. A ideia é acelerar o processo de troca entre os dois países na próxima cúpula dos Brics, que ocorre em julho em Fortaleza (CE), logo após o término da Copa do Mundo de futebol.
As apresentações, que incluem a distribuição de resumos e planilhas de dados aos convidados, vão ainda descer um andar na hierarquia governamental. Neri vai fazer uma apresentação para todos os secretários-executivos.
Fonte: Valor Econômico