Em parecer assinado pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, entidade afirma que a Medida Provisória que muda a forma da contribuição sindical fere a Carta Magna, a liberdade e autonomia sindical
A Ordem dos Advogados do Brasil divulgou nota técnica classificando a Medida Provisória 873/2019 como inconstitucional. Assinada por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, o documento afirma que “as modificações introduzidas pela referida MP incorrem em vícios de inconstitucionalidade formais e materiais”, além de não ter preenchido a presunção de relevância e urgência, estabelecida pelo art. 62 da Constituição.
Segundo o presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, a MP é antagônica ao que prevê a Constituição de 1988 e representa “uma afronta direta à liberdade e à autonomia sindical e desestabiliza o sistema sindical e as relações coletivas de trabalho”.
A nota evidencia também que as mudanças interferem nos assuntos internos dos sindicatos, uma vez que determina que a contribuição sindical não pode ser autorizada por assembleia geral ou instrumento coletivo. “Trata-se de ingerência indevida na administração financeira dos sindicatos e que limita de forma abusiva o espaço resguardado à deliberação da assembleia sindical”, aponta o documento.
Direito de associação
Ao reiterar que a MP fere a liberdade sindical coletiva, Marcus Vinicius Coêlho destaca ainda que, além de atingirem também a liberdade individual, as alterações propostas pelo presidente da República “violam o direito do trabalhador de escolher se associar e contribuir com o sindicato representativo de sua categoria profissional”.
O presidente reforça também que para os servidores civis, em particular, “a norma tolhe a liberdade de autorizar, de forma facultativa e espontânea, o desconto da contribuição na folha de pagamento”.
Sobrevivência e atuação
Além de ferir a Carta Magna e a autonomia das entidades, de acordo com Marcus Vinicius Coêlho, a Medida Provisória de Bolsonaro afeta os meios de sobrevivência das instituições, representando “medida que reduz a capacidade financeira dos sindicatos por vias oblíquas e tende a inviabilizar e a enfraquecer a atividade associativa e sindical”.
“A norma impugnada não só vedou a utilização desse mecanismo seguro e eficaz de custeio, como obrigou a utilização de serviços bancários. A imposição dessa sistemática implica em um aumento de custos e das dificuldades operacionais à cobrança das contribuições. Na prática representará um empecilho ao recebimento de recursos pelos sindicatos, sem amparo em qualquer justificativa plausível.”
Inconvencionalidades
Argumentando que a Medida age em contrariedade à vontade do Congresso Nacional, a nota é categórica ao apresentar as inconvencionalidades cometidas pelo Executivo, em especial aos compromissos firmados pelo Estado Brasileiro com as convenções da OIT.
O documento afirma:
“A esse respeito, registra-se o entendimento consignado pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT no sentido de que a autonomia sindical veda restrições à administração financeira dos sindicatos, conforme os verbetes transcritos abaixo:
466 – O direito dos trabalhadores a constituir organizações de sua escolha e o direito destas organizações elaborarem seus estatutos e regulamentos administrativos e a organizar sua gestão e sua atividade supõem a independência financeira, o que implica que as organizações não estejam financiadas de maneira tal que estejam sujeitas ao poder discricionário dos poderes públicos.
(…)
468 – As disposições referentes à administração financeira das organizações de trabalhadores não devem ser de índole tal que as autoridades públicas possam exercer faculdades arbitrárias sobre as mesmas.
469 – As disposições que restringem a liberdade dos sindicatos de administrar e utilizar seus fundos segundo seus desígnios para levar a cabo atividades sindicais normais e legais são incompatíveis com os princípios da liberdade sindical.
A autonomia sindical também é assegurada aos servidores públicos civis em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro. Nesse sentido, o art. 5º da Convenção n. 151 da OIT6 assegura às associações de trabalhadores da Administração Pública independência organizativa contra ingerência estatal:
Artigo 5
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As organizações de trabalhadores da Administração Pública devem usufruir de completa independência das autoridades públicas.
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As organizações de trabalhadores da Administração Pública devem usufruir de uma proteção adequada contra todos os atos de ingerência das autoridades públicas em sua formação, funcionamento e administração.”
Em sua argumentação final, Marcus Vinicius Furtado Coêlho sugere uma “Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Conselho Federal da OAB, nos termos do art. 102, I, a, da CF.”