O rombo de R$ 20 bilhões revelados nas contas da Americanas causou preocupação no mercado financeiro, fornecedores e investidores, mas o maior grupo de pessoas que hoje estão na incerteza é, sem dúvida, de seus 44 mil funcionários.
O pedido de recuperação judicial da empresa é o 4º maior da história do país, atrás de Odebrecht (R$ 80 bilhões), Oi (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões), segundo estudo dos escritórios Lara Martins Advogados e Mingrone e Brandariz. Como fica a situação dos funcionários em meio à recuperação judicial?
Veja as respostas para algumas das dúvidas mais frequentes, segundo apuração do InfoMoney:
A recuperação judicial afeta os funcionários?
Segundo Flavia Oliveira, advogada trabalhista do Andrade Foz Advogados, nesta etapa, os contratos de trabalho são mantidos e não necessariamente vão acontecer demissões. Os salários e verbas correntes devem ser pagas mensalmente pela empresa aos empregados.
“Os valores atrasados devidos pela empresa aos seus trabalhadores serão negociados por meio do plano de pagamento a ser apresentado pela Americanas no processo, o qual será objeto de votação em assembleia”, acrescenta Fabio Melo, advogado especializado em recuperações judiciais e falências do Goulart Penteado. Esse plano ainda precisa ser aprovado.
De modo a privilegiar os funcionários, a lei mencionada definiu, no artigo 54, dois requisitos importantes que devem ser seguidos no processo de recuperação judicial: o primeiro é que o plano de recuperação não poderá prever prazo de pagamento de valores atrasados superior a 1 ano, a contar da concessão da recuperação judicial; e o segundo é que os débitos de até 5 salários mínimos, referentes aos 3 meses anteriores ao início do processo, deverão ser pagos em até 30 dias aos empregados.
“O objetivo da recuperação judicial é reerguer uma empresa que passa por dificuldades, mas é importante saber que esse plano pode envolver algumas flexibilizações que afetarão os empregados. Por exemplo: redução salarial, compensação de horários e redução da jornada. Mas isso tudo mediante acordo ou convenção coletiva. Isso deverá fazer parte do plano que será feito pela empresa e aprovado no processo”, explica Karolen Gualda, advogada trabalhista do Natal & Mansur.
Embora a recuperação judicial seja um mecanismo que auxilie a empresa a continuar operando, é possível que demissões aconteçam. “É comum demissões acontecerem nesse processo porque a empresa também pensa em redução de custos. Mas se a demissão ocorrer, o funcionário tem garantido todos os direitos rescisórios”, explica Oliveira.
Apesar da situação delicada, é necessário observar que se a empresa obtiver sucesso na continuidade de sua atuação por meio da recuperação judicial, a manutenção dos empregos é um caminho possível, avalia o advogado Fabio Melo.
A empresa pode não pagar as dívidas atrasadas?
“Sempre tem risco, no entanto, os créditos trabalhistas estão sempre dentre os primeiros a serem recebidos pelos credores, nesse caso, os empregados”, afirma a advogada Flavia Oliveira. Segundo ela, a Americanas vai agora apresentar uma lista de credores e notificá-los, informando o valor que eles têm a receber.
“Depois, os funcionários que estiverem nesta lista terão um prazo para se habilitarem nesse processo, por meio de uma petição. O funcionário pode fazer o processo sozinho ou ter um advogado que o represente. Feito isso, fica oficializado que a empresa deve um determinado valor para o empregado, que vai receber de acordo com o plano de pagamento disposto na própria recuperação judicial”, complementa a advogada do Andrade Foz.
No caso de o funcionário achar que tem de receber algum valor e não for notificado pela empresa, deve também entrar com uma petição, mas com um advogado próprio, informando qual valor devido na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde o processo da recuperação judicial vai tramitar.
Gualda, do Natal & Mansur, acrescenta que a empresa pode descumprir o plano de recuperação apresentado, o que poderá acarretar na decretação de sua falência. “Já sob falência, os contratos de trabalho ativos podem ser afetados ainda mais rapidamente”, aponta a especialista.
Especialistas afirmam que a negociação será complexa e está direcionada sobre qual caminho os credores vão “perder menos”. A avaliação é de não existe uma equação em que os bancos não tenham que dar desconto às dívidas da Americanas. Um calote completo da varejista poderia tirar R$ 7 bilhões dos bancos, segundo apuração do jornal O Estado de S.Paulo.
O que acontece com os funcionários se a Americanas falir?
Em uma eventual falência, a situação muda para os funcionários porque neste caso acontece a rescisão dos contratos de trabalho na modalidade sem justa causa. Isso significa que os empregados terão direito a receber as verbas rescisórias as quais têm direito, como aviso prévio, férias proporcionais, 13° salário proporcional, indenização de 40% do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e permissão de saque integral do fundo, além do seguro desemprego.
“Vale observar, porém, que o pagamento dos valores em um processo de falência depende da existência de ativos suficientes”, explica Melo.
Mas, considerando a necessidade de salvaguardar o trabalhador, o artigo 83 da Lei de Falências e Recuperação estabelece uma ordem específica para que os valores arrecadados possam ser rateados entre os credores.
“A lei estabelece que, após a identificação e a venda dos bens, serão pagos os credores trabalhistas em primeiro lugar, depois os credores com garantia, credores tributários e então os credores quirografários, classe em que se enquadram os consumidores”, detalha o advogado do Goulart Penteado. Assim, os funcionários têm total prioridade neste que seria o pior cenário possível.
Se a empresa deixar de arcar com alguma obrigação trabalhista, o funcionário sempre pode optar por ingressar com uma ação e buscar seus direitos na Justiça.
Fonte: InfoMoney