Mundo pós-coronavírus terá menos gente nos escritórios

Trabalho em casa eleva produtividade, dizem empresas como Ambev e J & J

O escritório do mundo pós Covid-19 vai ter poucas cadeiras, muito espaço vazio, advertências contra uso de elevadores e salas de reunião, e aplicativos para monitoramento de possíveis contágios.

Empresas como a Ambev, Johnson & Johnson, e a Stefanini e TopDesk, de TI, pretendem aumentar significativamente os dias de home office mesmo quando não houver mais necessidade de isolamento por causa do coronavírus.

Essas empresas chegaram à conclusão de que os funcionários, em média, são muito mais produtivos trabalhando em esquema remoto do que presencialmente. Esperava-se que os funcionários fossem mais dispersos trabalhando de casa, com filhos e família em volta, cachorro latindo, e tarefas domésticas por fazer. Mas, na realidade, as pessoas se tornaram mais focadas, discussões são mais rápidas, não há tanto atraso nas reuniões por zoom, e nem tempo gasto com cafezinho ou fofoca com os colegas.

A Ambev fez uma pesquisa com os funcionários sobre como eles gostariam que fosse a volta aos escritórios, que deve se iniciar a partir de 1 de julho: 5% querem que o trabalho passe a ser totalmente remoto, 5% querem totalmente presencial, e a grande maioria, 90%, quer uma solução híbrida, uma combinação entre trabalho remoto e presencial, como um ou dois dias por semana no escritório.

“A produtividade do trabalho remoto é maior, porque há mais tempo sem interrupções e mais eficiência nas reuniões —são mais pontuais, mais curtas e com menos pessoas, o que leva a um maior foco”, diz Camilla Tabet, diretora de Gente e Gestão da Ambev.

A meta na Stefanini, multinacional de tecnologia da informação, é colocar 50% das pessoas no modelo remoto em até 18 meses. A empresa terá três regimes: um de home office total, um parcial, em que o funcionário poderá optar por dois a três dias em casa, e um de flexibilidade em relação a horários.

Durante os meses de isolamento social, a companhia usou um software de monitoramento de produtividade, priorizando metas e deixando para trás o modelo de “comando e controle”. Segundo Rodrigo Pádua, vice-presidente global de recursos humanos, a receita por número de colaborador cresceu.

“Talvez o novo funcionário, contratado hoje, nem venha a conhecer o escritório”, afirma.

Na TopDesk, multinacional holandesa que desenvolve software para gestão de serviços —houve uma redução de 45% no tempo de resolução dos chamados dos clientes desde que a equipe inteira passou a trabalhar remotamente, em 13 de março.

“Costumávamos ser um pouco receosos em relação a home office, deixávamos os colaboradores trabalharem remotamente apenas em casos excepcionais”, diz Tiago Krommendijk, diretor-geral da Top Desk no Brasil, onde a empresa tem 57 funcionários (são 800 no mundo). “Mas aumentou muito
a produtividade, e, na volta, vamos dar flexibilidade aos colaboradores que quiserem.”

A gigante de saúde Johnson & Johnson também vai ampliar o leque de alternativas para parte dos trabalhadores. A crise da Covid-19 colocou cerca de 70% dos 6.500 funcionários em casa. Ficaram na operação os que lidam com a produção de bens essenciais, como de saúde e higiene, e os profissionais de distribuição.

A política da empresa permitia um dia de teletrabalho por semana antes da pandemia. Na pós-quarentena, o número deverá subir para dois ou até três, segundo Betina Lackner, diretora de RH da companhia no Brasil, que vê a flexibilização como “evolução natural”.

“Foi um grande ensaio, nunca tivemos um volume tão grande de pessoas em casa. Descobrimos novas formas de manter engajamento, de treinar e trocar informações. Chegamos a ter reuniões com 1.000 conectados”, diz Betina.

O retorno aos escritórios da farmacêutica, que ocupa cinco andares no edifício JK em São Paulo, será em três ondas. Na primeira, voltam empregados essenciais, como de pesquisa e desenvolvimento. As outras duas ondas dependerão de fatores externos, como melhora do quadro de saúde da população e alternativas de imunização, como a vacina.

Uma das adaptações necessárias para fazer o ambiente de trabalho 100% remoto funcionar foi uma melhora na comunicação. Na TopDesk, pela manhã, os funcionários têm uma reunião por teleconferência de 15 minutos, de pé, em que relatam o que fizeram no dia anterior e o que farão no dia de hoje. A Ambev tem reuniões semelhantes.

É claro que nem tudo funciona melhor com o trabalho remoto. Segundo Danilo Igliori, professor de Economia Urbana da Faculdade de Economia da USP e economista-chefe do grupo ZAP, a proximidade entre as pessoas traz algumas vantagens importantes. Há ganhos de escala quando se concentra a logística e os insumos em um local só, comparado à necessidade de garantir que todo funcionário tenha, em sua casa, um computador e uma conexão de internet decentes, além de cadeira e espaço adequados.

Segundo ele, o efeito da interação cara a cara sobre a produtividade também não pode ser subestimado. “Uma das coisas mais importantes da proximidade entre pessoas é a transmissão de conhecimento, gerando criatividade, inovação”, diz Igliori.

Ele lembra que, nos anos de 1990, quando a internet se popularizou, diziam que seria a morte das grandes cidades, porque ninguém mais ia querer morar nos centros urbanos, já que poderiam trabalhar de onde quisessem. De fato, pode-se trabalhar de qualquer lugar, mas nem por isso todo mundo opta por isso.

“Trabalho remoto é importante, traz ganhos até na qualidade do ar, mas não é a melhor opção para tudo”, diz Igliori. “Acho que o home office vai se disseminar, mas as empresas não vão abandonar completamente a proximidade física e a interação pessoal.”

“Algumas coisas não funcionam bem remotamente, como o brainstorming”, diz Krommendijkda TopDesk. “É difícil ter animação, sinergia, online.”

Com o fim gradual do isolamento, muitas empresas estão se valendo de aplicativos para monitorar possíveis contágios. A consultoria e auditoria PWC desenvolveu uma plataforma que fornece um tipo de score a cada empregado, que define se ele pode ou não estar na empresa.

Dez grandes empresas já contrataram o serviço. Nesse programa, o funcionário responder a um questionário sobre sintomas, elaborado com perguntas da OMS, feito por um bot no WhatsApp. O sistema envia as informações pessoais um aplicativo, que cruza com dados internos e externos. Entram na análise informações como o grau de infecção da região que o funcionário mora e se algum colega próximo já reportou infecção por Covid-19.

“Se amanhã ou depois a infecção no do ambiente de trabalho virar uma questão trabalhista [judicial], a empresa mostra que tem um processo de checagem”, diz Norberto Tomasini, sócio da PWC Brasil.

A Ambev adota rastreamento semelhante, mas apenas nas cervejarias, não nos escritórios.

Os funcionários que retornarem encontrarão um ambiente de trabalho totalmente diferente. Na TopDesk, onde havia 80 cadeiras, agora só há 20. O local tem capacidade para mais de 100 pessoas, mas receberá apenas entre 25 e 30 simultaneamente. Para isso, usarão um software para fazer reservas, pois haverá um limite fixo da quantidade de pessoas. As reuniões em salas fechadas serão evitadas.

A Ambev já planejava fazer uma reforma, e adaptou as mudanças à nova realidade. Haverá menos espaço para estações de trabalho e mais para áreas de interação.

No entanto, nesse período inicial do retorno, o uso de espaços como café e salas de reunião estará suspenso, para evitar aglomerações.

Reuniões internas e com clientes, visitantes ou fornecedores passarão a ser realizadas online nesse período.

O uso de escadas será incentivado como uma alternativa para evitar espaços fechados como elevadores.

Todas as empresas passarão a ter protocolos de segurança, como álcool em gel, regras de distanciamento e de uso de áreas comuns.

A Johnson & Johnson já adotou critérios da matriz, como avisos para distanciamento de 1,8 metro, novos protocolos para uso de elevador e higienização e treinamento para funcionários.

Posteriormente, vai instalar barras de acrílico e mudar a dinâmica do restaurante local. As refeições serão entregues de forma individual, para evitar aglomerações como nos tempos pré-pandemia.

Via: Folha de S.Paulo

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