Mobilização contra a reforma trabalhista e a realidade do movimento sindical pautam 2º dia do Congresso Estadual de Goiás

Palestras de capacitação política e sindical e debates acerca dos retrocessos nos direitos serviram de norte para os enfrentamentos

Após a cerimônia de abertura do Congresso Estadual de Goiás, realizada na noite desta terça-feira (11), o segundo dia do evento trouxe as consequências da aprovação da reforma trabalhista para o centro das discussões. As palestras e debates realizados nesta quarta (12), entre outros temas, levantaram a necessidade de mobilização da sociedade contra o PLC 38, além de ratificarem a violência representada pelo projeto à vida e ao futuro dos trabalhadores.

Zilmara Alencar, especialista em Direito Processual, apresentou as principais ameaças da reforma traçando uma linha do tempo, que permitiu aos congressistas goianos comprovarem as manobras feitas pelo Executivo e parte do Legislativo para aprovar a proposta. Segundo a consultora, “o projeto destrói todo um cenário de proteção do trabalhador”. “Se essa reforma contraria a Constituição, que é o patamar mínimo, ela retira o que é considerado essencial para que a gente tenha a dignidade da pessoa humana”, explicou a palestrante.

A advogada apresentou números que fazem o Brasil estar num ranking vergonhoso, e que a reforma vai agravar ainda mais. Para Zilmara Alencar, não é o custo do trabalho que prejudica o desenvolvimento do Brasil, e sim o baixo escoamento e valor agregado da produção nacional. “O Brasil paga o menor salário mínimo das maiores 20 economias do mundo. É o 4º colocado no ranking de acidentes com morte. E ainda permite com a reforma várias flexibilizações”, criticou a consultora ao revelar que o País produz mais de 700 mil acidentes por ano.

É neste cenário precarizante que Luís Antonio Camargo, subprocurador-geral do Trabalho no Distrito Federal, destacou as formas de trabalho degradantes e análogas à escravidão que ainda existem no Brasil.

O palestrante concorda com Zilmara Alencar sobre a importância da Constituição Federal de 1988 como instrumento de proteção e garantias mínimas ao povo. “Precisamos mostrar as inconstitucionalidades do projeto, e não dá para abrir mão da parceria com instituições que vêm trilhando o caminho da valorização do trabalhador e resistindo a essa desconstrução do Direito do Trabalho”, argumentou Camargo.

Um dos pontos mais polêmicos e prejudiciais da reforma, que trata do trabalho intermitente, é apontado pelo subprocurador como mais um sistema precarizante. Luís Antonio Camargo comparou a prática à chamada jornada móvel praticada por algumas lanchonetes, como a rede MC Donald’s, na qual os funcionários apenas recebem pelo tempo em que exercem alguma atividade efetiva.

“É a chamada jornada móvel variável, e ele terá um salário pequeno, mesmo estando à disposição do patrão durante o mês inteiro. Isso agora está estabelecido em lei com a jornada intermitente e vai geral uma precarização enorme”, alertou.

O subprocurador do Trabalho do DF e a consultora Zilmara Alencar são categóricos ao apontarem o grave cenário para o Brasil. “Não vimos na reforma nenhuma das nossas demandas contempladas. O cenário é de desmonte trabalhista e sindical”, lamenta Zilmara. Para Camargo, “a reforma aprovada no Congresso vai aumentar as condições de trabalho degradante”.

Assista às palestras de Zilmara Alencar e Luís Antonio Camargo. Veja as apresentações aqui e aqui

Ameaça: acordado sobre legislado

Francisco Gérson Marques apresentou as consequências do negociado sobre o legislado na reforma trabalhista. Segundo o procurador Regional do Trabalho do Ceará, este tema traz algo atípico no campo do Direito ao inverter “uma pirâmide histórica do campo jurídico”.

“Em todos os campos do Direito, a lei está acima dos acordos. Em razão da reforma, a prioridade se inverte: o acordado se sobrepõe à lei”, explica Marques, que ponderou ainda que “a negociação individual é mais deletéria do que a negociação coletiva”. “A intenção do legislador foi blindar as negociações sobre o argumento de que a Justiça acabaria anulando as leis”, completou.

Apresentando um painel geral das implicações da reforma, o procurador também ressaltou a supremacia da Constituição no estabelecimento dos direitos fundamentais e recomendou que os sindicatos se dediquem a um grande estudo da área jurídica como ferramenta de ação.

Assista às palestra de Gérson Marques (até 1h35min) e veja a apresentação

Reforma trabalhista atende revolta das elites contrariadas desde a era Vargas

Dentro do compromisso de formação e capacitação das bases em todo o Brasil, o Congresso de Goiás também trouxe aos dirigentes um panorama da história do movimento progressista brasileiro e a importância do legado de Getúlio Vargas para as conquistas dos trabalhadores.

Do ponto de vista da história do direito social no País, a votação da reforma trabalhista no Senado vem acabar com o incômodo das elites brasileiras contrariadas desde Getúlio, analisou o professor Wendel Pinheiro. O membro da Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini explicou que, influenciado pelo positivismo, Vargas conduziu “a criação da Justiça Eleitoral para a moralização da política e lisura das eleições, garantiu o direito de voto e de elegibilidade para as mulheres”.

“A Consolidação das Leis do Trabalho é uma legislação avançada, ousada, 70% a 80% já está alterado, mas permanece avançada”, diz Pinheiro. O historiador explicou que o regime do Estado Novo da era Vargas coincide e também reconhece o crescimento dos movimentos pelos direitos sociais de maior influência no País desde a criação da República. Wendel Pinheiro relembrou que Vargas regulamentou a jornada de trabalho, o pagamento das férias aos trabalhadores, o trabalho de mulheres e de menores. Também fomentou os fundos de pensão e de aposentadoria, universalizando-os ao conjunto dos trabalhadores.

“Apesar de ser um representante da oligarquia e de enfrentar uma conjuntura política conturbada, quando os patrões não cumpriam as determinações expressas nos decretos promovidos em seu governo, Vargas garantiu a proteção e aplicação dos direitos trabalhistas reconhecidos pelo Estado aos trabalhadores”, detalhou o historiador.

Assista à palestra de Wendel Pinheiro (a partir de 1h37min) e veja a apresentação

Redes sociais, liderança sindical e representatividade

Em meio a uma crise institucional de representação das instituições, o uso das redes sociais cresce no Brasil e, nesse contexto, estruturar uma estratégia de conversa e mobilização digital para o campo sindical exige o domínio de conteúdo, como linguagem, coerência, frequência, conversa, estilos de relacionamento. Assim Márcio Bernardes de Carvalho, da Fundação Ulysses Guimarães, abriu a palestra Redes Sociais e Liderança Sindical.

“O sindicato é orgânico, a vida é orgânica. Em meio a esta representação, eu quero ver no outro o que tem a ver comigo. Se eu tiver identidade com sua postagem, vou lá e curto”. Ele explicou que “as redes sociais dão a possibilidade de alterar nossa percepção sobre a realidade”.

Ao mesmo tempo que as causas, ideias e bandeiras são vistas como pautas positivas, o hiperpersonalismo na rede não é bem visto. Além de comentar um pouco de sua teoria, ancorada no materialismo histórico, e com o objetivo de construir um diálogo contra a elite hegemônica, Carvalho ofereceu dicas práticas para alimentar uma política de comunicação nas redes sociais. “É preciso construir um diálogo efetivo, a ver com a vida da base. Uma mensagem chega em poucos segundos a milhares de pessoas, é importante conversar com sua base ao menos uma vez por semana”, explica.

O especialista lembrou que as redes sociais são parte da vida dos brasileiros. Um total de 89% usa as redes sociais via smartphone, o que estimula o compartilhamento de vídeos.  Márcio Carvalho ponderou também algumas idiossincrasias de nosso tempo. Lembrou do massacre da informação promovido pela televisão. “A maioria da classe dominante quer que as pessoas vivam num mundo de esperança, pois sem ela cria-se a submissão”. Também alertou que as redes sociais estão fazendo com que as pessoas produzam um tipo de brasileiro que só presta atenção naquilo que quer.

O palestrante ponderou ainda que a grande maioria das pessoas usa a internet para entretenimento, não quer ver o mundo como ele é. “Ela é centralmente o entretenimento, preferência de 46% dos internautas, porque a informação remete ao que é o jornal, com suas tragédias”.

Márcio Carvalho sugere utilizar todos os formatos de conteúdo, como imagens e vídeos, já que os maiores influenciadores brasileiros usam vídeos curtos, os chamados youtubers. Aconselhou também a usar a fórmula 80 por 20, o que significa 80% de conteúdo de interesse para a base e 20% como sendo o que se deseja que esta mesma base saiba.

Assista à palestra de Márcio Carvalho e veja a apresentação

O Congresso Estadual de Goiás continua nesta quinta-feira (13).

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