Ministro vê politização e “desinformação” em críticas à MP do ensino

O ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho, considera que está à frente de um “santuário ideologicamente comandado por forças vinculadas ao PT” nos últimos anos. O ex-líder do DEM na Câmara dos Deputados, no entanto, não se diz receoso e demonstra segurança ao tratar dos assuntos da pasta. Para ele, as críticas à proposta de emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos da União e à reforma do ensino médio feita por medida provisória se devem à politização relacionada ao processo de impeachment da ex¬presidente Dilma Rousseff ou à desinformação.

“Isso [impeachment] não é uma coisa trivial em qualquer democracia, embora legítima e constitucional. Mas gerou sequelas e tensões”, afirmou. “O debate é sempre bem-vindo, mas o princípio primeiro tem que ser o da verdade.” No entanto, ele busca o equilíbrio ao lidar com essas questões. “Eu sou contra a tese de escola sem partido”, disse ao Valor.

Bem avaliado pelo Palácio do Planalto por enfrentar problemas e providenciar soluções, Mendonça Filho lamentou que jovens “utilizados” por sindicatos, entidades e partidos políticos provoquem o adiamento da realização do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) em algumas localidades. Garante, no entanto, que não usará “mecanismos de força para desocupar dezenas de escolas”.

Segundo ele, a parcela de unidades afetadas é ínfima diante do universo de 16.500 localidades nos mais de 1.700 municípios em que o Enem será aplicado. Balanço divulgado na terça-feira pelo MEC contabilizava 304 escolas ocupadas em 126 cidades, causando um transtorno a 191.494 dos 8.627.195 inscritos em todo o país.

De acordo com o ministro, a pasta está regularizando um quadro de pagamentos herdado considerado “caótico”. “Minha preocupação hoje é produzir resultados, porque o Brasil investe mais de 6% do PIB em educação”, afirmou, acrescentando que o governo Temer aumentou o orçamento da área e a PEC 241 não tirará um centavo da educação.

Segundo o ministro, Temer determinou a manutenção do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) a longo prazo. E não há a intenção de passar para Estados ou municípios a gestão de aquisição de livros didáticos. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual a perspectiva para o Enem com uma série de escolas ocupadas por manifestantes?

José Mendonça Bezerra Filho: Está tudo organizado para a realização do Enem nas datas previstas, dias 5 e 6. Lamentamos o transtorno causado por conta de algumas ocupações, que são concentradas principalmente no Paraná. Isso envolve outras questões da relação específica do sistema estadual de educação com o sindicalismo estadual. Tomamos a decisão de não pôr a prova em risco: onde houver ocupação adiaremos a realizaçãonaquele espaço, e a fração dos locais possivelmente afetados é muito pequena. É lamentável que um direito constitucional, de se expressar e protestar, que defendo e respeito, possa ser exercido passando por cima do direito dos outros, de ir e vir, um direito constitucional elementar, e o direito à educação. As pessoas não podem, a pretexto de um protesto, impedir outras pessoas de se submeterem a um exame que afeta, inclusive, o acesso à universidade e diz respeito a sonhos de jovens. Muitas vezes alguns jovens são utilizados por sindicatos e organizações como Ubes [União Brasileira dos Estudantes Secundaristas], outras entidades e partidos políticos como PT e Psol, para levantar um embate com o governo.

Valor: Mas, na prática, além da data do exame, o que muda para o aluno? Ele terá que fazer outra prova. Há custos para o governo também…

Mendonça Filho: A segunda prova já existe. A gente trabalha com prova reserva, que já está no plano de contingência do Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira]. É lógico que há um custo adicional e um transtorno grande para os jovens afetados, mas a gente não vai usar mecanismos de força para desocupar dezenas de escolas. A grande maioria dos espaços ocupados compõe as redes estaduais ou unidades de universidades federais que têm autonomia administrativa e institucional. E o mais prudente, para evitar até uma situação de maior conflito, é reprogramar as provas nessas unidades.

Valor: Mas não pode haver diferença nos níveis de dificuldade?

Mendonça Filho: Elas obedecem à TRI [Teoria de Resposta ao Item], dispositivo estatístico que confere homogeneidade e o mesmo padrão de profundidade no exame. É internacionalmente aceito, então isso não vai afetar a classificação e o desempenho [dos alunos].

Valor: O sr. citou a politização do movimento de ocupação das escolas, e esses alunos criticam principalmente a PEC 241 e a reforma do ensino médio. Há oposição mais às propostas do governo e à forma como são adotados do que ao mérito em si das medidas?

Mendonça Filho: O debate é sempre bem¬vindo, mas o princípio primeiro tem que ser o da verdade. Não se pode partir para um debate com bases falsas e afirmações que não tenham sustentação na realidade. Quando se critica a PEC dizendo que afeta o investimento em educação e saúde, é falso. Encontramos um ministério com o orçamento de R$ 129 bilhões para 2016, com contingenciamento de cerca de R$ 6,4 bilhões. O orçamento de 2017 já enviado ao Congresso é de R$ 139 bilhões. Estamos crescendo o orçamento em termos nominais e reais em relação ao que herdamos. E a PEC fala de piso, de nível mínimo de investimento corrigido pela inflação. Não quer dizer que não possa crescer além disso. Não perde um centavo.

Valor: Embora tenham ocorrido longas discussões sobre o conteúdo da reforma, há muitas críticas sobre ter sido feita por meio de MP.

Mendonça Filho: Isso obedece a duas lógicas. Uma é política, mais ideológica e que guarda até muito mais sentido com o momento que vivemos, institucional e político, de uma transição difícil e uma mudança de governo que passou por um impeachment. Isso não é uma coisa trivial em qualquer democracia, embora legítimo e constitucional. Mas gerou sequelas e tensões. O outro componente é a desinformação. Muitas pessoas criticam sem ter o conhecimento do longuíssimo debate sobre a reforma do ensino médio que o Brasil tem dedicado ao longo da história.

Valor: Como se deu esse debate?

Mendonça Filho: As diretrizes curriculares do ensino médio foram debatidas ainda em 1998. Tivemos a mudança do Fundef para Fundeb, englobando o ensino médio, justamente tendo em vista as suas deficiências, em 2007. A partir de 2010, tivemos o primeiro seminário de discussão do ensino médio levando em consideração o Conselho Nacional de Secretários de Educação. Em 2013, houve a apresentação de um projeto por um deputado do PT, Reginaldo Lopes (MG), visando modificar o ensino médio, com conceitos de flexibilidade e maior compatibilidade com a educação técnica. Esse projeto motivou a formação de uma comissão especial e até hoje não foi votado. O Brasil é o país mais atrasado, do ponto de vista de concepção e arquitetura do ensino médio, do mundo ocidental em desenvolvimento e desenvolvido. Isso produz um desestímulo para o jovem continuar na sua vida educacional. Há números flagrantes: 1,7 milhão de jovens que não trabalham nem estudam justamente na faixa do ensino médio e quase 1 milhão de jovens de 17 anos que deveriam estar no terceiro ano e estão fora do ensino médio. Desde 2011 a gente não cumpre as metas do Ideb do ensino médio do Brasil. Para mim, é um quadro extremamente grave e que precisa urgentemente de providência por parte do Estado.

Valor: Isso, então, justificaria a edição de uma MP, na sua visão.

Mendonça Filho: O conceito constitucional para a edição de uma MP tem que obedecer a dois princípios: relevância e urgência. Qualquer matéria no campo educacional minimamente importante é relevante. E a urgência está absolutamente vinculada à situação que descrevi. Está se fazendo uma tempestade sobre o tema “medida provisória” porque não se tem argumento. Quando a discussão se dá apenas sobre se o instrumento correto é projeto de lei ou MP, mostra que não existe crítica em relação a esse consenso [modificações como flexibilidade curricular, conexão com educação técnica e possibilidade de o itinerário formativo ser definido pelo próprio jovem] e estamos no caminho certo.

Valor: Então não há possibilidade de o governo mudar de estratégia e enviar um projeto de lei, mesmo que seja com urgência constitucional?

Mendonça Filho: Tenho expectativa positiva de que o Congresso cumprirá a missão de aprovar, sendo a Câmara até o fim de novembro ou começo de dezembro. Os mesmos críticos que condenam o instrumento da MP não criticaram, por exemplo, quando os governos petistas editaram medidas provisórias para o Programa Nacional na Idade Certa, a criação do ProUni, aprimoramentos do Fies e Mais Médicos na área de saúde. É um instrumento democrático, válido e constitucional.

Valor: Seus aliados dizem que o sr. é alvo de críticas por fazer o melhor trabalho de desaparelhamento da Esplanada. O sr. concorda?

Mendonça Filho: Eu me dedico à minha missão executiva para que os recursos possam chegar à ponta com qualidade, eficiência e melhorando a qualidade da educação pública. É lógico que este [o MEC] foi sempre um santuário ideologicamente comandado por forças vinculadas ao PT. É algo difícil e há presença de um embate ideológico muito intenso, mas minha preocupação não é ideológica. Minha preocupação hoje é produzir resultados, porque o Brasil investe mais de 6% do PIB [na área]. Desejo que invista mais, o que é uma condição para que a gente possa avançar. Mas, há de se ter nas áreas sociais, inclusive na educação, a reflexão de que não basta gastar mais. Tem que se gastar melhor e aplicar melhor os recursos públicos.

Valor: A meta do Plano Nacional de Educação de chegar a 10% do PIB é crível, sobretudo com a PEC 241?

Mendonça Filho: Não quero falar sobre meta do PNE, porque o legado que herdei foi de descumprimento de todas as metas. A meta de organização sindical foi a única cumprida nos governos do PT. Eu preciso focar para que possamos alcançar os melhores resultados possíveis.

Valor: Depois da reforma do ensino médio, o que se pode esperar em relação aos outros níveis de ensino?

Mendonça Filho: Temos preocupação com educação básica, o que leva em consideração também o ensino infantil, a oferta de pré¬escola. Ainda temos um universo não atendido e sem acesso à pré¬escola de algo entre 600 mil e 800 mil crianças. Melhorar a qualidade da alfabetização é precondição para dar saltos efetivos na área da educação básica, e apenas 11% das crianças no terceiro ano do fundamental têm plenitude de leitura e compreensão de texto em português. Isso é devastador e compromete o desempenho nos outros anos. Além disso, reduzir a evasão nos anos finais do fundamental.

Valor: O que pode ser feito em relação à alfabetização?

Mendonça Filho: Isso tem relevância muito grande dos municípios. Estávamos aguardando a definição das eleições para que pudéssemos ultimar o modelo de atuação nessa área e apresentar proposta para o início da gestão dos novos prefeitos, o que deve acontecer até o fim do ano. Temos como prioridade concluir a primeira fase da base nacional comum curricular infantil até o nono ano do fundamental. A discussão está indo bem e a gente corre para entregá-la ao Conselho Nacional de Educação até o fim do ano.

Valor: E no ensino médio, quando será a discussão da base nacional curricular comum?

Mendonça Filho: De agora até meados do próximo ano. Nossa disposição é que comece a flexibilizar em 2018.

Valor: A situação que o sr. pegou o ministério tem dificultado o pagamento de livros didáticos e demais produtos e serviços?

Mendonça Filho: A gente tem recuperado atrasos. Pegamos o MEC com atrasos de pagamentos em universidades, serviços terceirizados de vigilância. Um passivo no FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] de R$ 10,6 bilhões, a pedalada envolvendo o Fies de R$ 4 bilhões. Pronatec atrasado, Ciência Sem Fronteiras sem honrar pagamento de bolsas de estudantes no exterior. O quadro geral do ponto de vista de pagamento era caótico, e estamos regularizando e normalizando.

Valor: Como?

Mendonça Filho: Praticamente dobramos o volume de repasses de recursos do MEC para instituições federais de ensino. Na média de janeiro a maio, foram pagos cerca de R$ 500 milhões/mês e de maio até setembro, R$ 1 bilhão/mês. Não só para pagar o mês, mas também o passado, dívidas acumuladas. Gradualmente estamos regularizando. Há passivos e compromissos assumidos que não teremos condição de cumprir até o fim do ano, como o FNDE, sobretudo obras paralisadas, como 3 mil creches. Há também obras de quadras poliesportivas, compromissos assumidos em volume maior do que a capacidade de pagamento. Parto do pressuposto de que não vou abrir frente nova de investimento se não puder honrar o que está em curso, o que era prática corrente da administração anterior.

Valor: E no Fies?

Mendonça Filho: A gente resgatou o Fies, assumimos o MEC com orçamento subdimensionado para 2016. Ele não podia sequer honrar a renovação do 1,5 milhão de contratos antigos e conseguimos honrar todos os compromissos desses contratos, mais 75 mil lançados no segundo semestre. Isso se deu primeiro pela edição de uma MP que transferiu para instituições privadas de ensino parte das taxas bancárias. Do outro lado, o crédito suplementar orçamentário que aprovamos recentemente no Congresso. Para 2016 está equalizado e estamos em discussão com a Fazenda e o Planejamento para pensar o Fies a longo prazo. A garantia da sua manutenção já foi dada pelo presidente Temer e vamos honrar o programa, mas temos que garantir equidade, equilíbrio e sustentabilidade no longo prazo.

Valor: O sr. deve mudar o modelo do programa de livros didáticos, passᬠlo para os Estados?

Mendonça Filho: Por enquanto, nenhuma mudança substancial. É normalizar o programa: pagamentos, regularidade e fazer algumas revisões. Tínhamos um quadro de livros da reserva técnica que há muito tempo não se mexia. Teve decréscimo demográfico que atinge acesso educacional e isso nunca foi alterado, algumas economias nas franjas do sistema de livros didáticos que eram desconsideradas.

Valor: Por exemplo?

Mendonça Filho: Produziam modelos para um universo pré¬estabelecido. O programa Mais Educação envolvia atendimento de mais de 8 milhões de alunos. Quando vai para o censo escolar, nas mesmas escolas atendidas há 4,3 milhões de estudantes. Então, há um furo gigante que foi pago, transferido para Estados e municípios. Se melhora a gestão, melhora a qualidade do repasse do recurso. Não há nenhuma discussão quanto à estadualização ou municipalização dos livros didáticos.

Valor: Qual sua opinião sobre o movimento escola sem partido?

Mendonça Filho: Sou contra a tese de escola sem partido. Acho que é inócuo e contraproducente porque, a rigor, o que nós precisamos é de boa formação dos professores e amplitude na disponibilizacão do conhecimento. Lógico que não quero professor que transmita sectariamente, mas não vai ser um tribunal de ideias que vai resolver isso. É a boa formação profissional e ética do professor que vai produzir isso, além do controle social de pais e alunos para que [o estudante] tenha fome de conhecimento mais ampla, do liberalismo ao marxismo, e possa fazer os próprios julgamentos. A solução não passa por legislação que imponha dispositivo punitivo.

Fonte: Valor Econômico

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