Para Guadalupe Louro, a reforma esvazia os conceitos de trabalho escravo; especialista falou sobre o trabalho degradante
Na abertura do terceiro dia do Congresso Estadual do Rio de Janeiro, a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) e coordenadora do Núcleo de Trabalho Escravo na PRT/RJ, Guadalupe Louro Turos Couto, apresentou aos delegados cariocas a palestra “Formas Degradantes de Trabalho e Trabalho Escravo Contemporâneo” fazendo fortes críticas à reforma trabalhista e à lei da terceirização indiscriminada, responsabilizando estas propostas como incentivadoras do trabalho escravo.
“A grande razão para os contratos atuais com trabalhadores em condições análogas às de escravos é justamente a terceirização. Precisamos reunir forças para que a gente consiga combater esta terceirização, que está muito ligada ao trabalho escravo. A reforma trabalhista prevê jornada de mais de 12 horas ininterruptas e uma série de modificações que afetarão diretamente o trabalhador e poderão configurar condições análogas às de escravos. Ao invés de aprovar esta reforma, é melhor revogar a Lei Áurea”, disse a procuradora sobre a gravidade da proposta, garantindo que a reforma deve esvaziar o conceito de trabalho escravo no Brasil.
“Capitaneado pelo agronegócio e pela construção civil, querem retirar as formas degradantes e jornada exaustiva do conceito de trabalho escravo. Todas estas reformas e projetos de leis no sentido de explorar cada vez mais o trabalhador querem esvaziar o conceito de trabalho escravo para apenas a restrição da liberdade. Estamos trabalhando com restrições invisíveis, casos que envolvem trabalho degradante e jornada exaustiva. Temos que ter em mente que o ponto central é a dignidade do trabalhador”, afirmou Guadalupe, que também é mestre em Direito Processual.
Guadalupe mostrou casos de trabalho degradante. Neste contexto, a procuradora apresentou o paradigma da moda e pediu para que os sindicatos ajudem no combate às práticas e nas denúncias.
“Podemos citar alguns casos, como a Brookfield Empreendimentos Imobiliários, que foi a primeira empresa condenada pela cadeia produtiva no Rio de Janeiro. Na área têxtil, as grandes grifes fazem o desenho das roupas e estabelecem um número de peças, tamanho e cores. Elas contratam empresas de confecções para produzir as peças, e como elas não dão conta da demanda de trabalho, subcontratam oficinas de costuras, onde encontramos bolivianos, coreanos e outras nacionalidades. As pessoas contratadas são pagas por produtividade, além de trabalharem dia e noite”, concluiu.
A procuradora também apresentou números atuais da situação do Rio de Janeiro, que hoje é o 21º estado no ranking nacional de trabalhadores libertados, com 2.218 pessoas entre 1995 e 2016. Dentro destes números, 15% dos trabalhadores estavam na construção civil, enquanto 36% estavam ligados ao comércio e serviços.
“Muita gente se assusta quando eu falo que existe trabalho escravo no cento do Rio de Janeiro. O trabalho escravo está muito mais perto do que se imagina, pode ser aquele loiro de olho azul. Hoje, não existe raça, cor e nem uma nacionalidade específica”, completou.
Por meio de um estudo realizado de 1995 a 2016, foi possível esboçar um raio X de quem é o trabalhador escravizado no Brasil. De acordo com esse trabalho, foram resgatados no período aproximadamente 52 mil trabalhadores. Entre eles 95% são homens, 83% deles estavam na faixa etária de 18 a 44 anos, 32% eram alfabetizados e 28% estavam no setor pecuário.
Apesar deste resultado, a procuradora acredita que o panorama não representa o momento atual. “Hoje encontramos mais trabalhadores nesta condição na área urbana, isso graças à construção civil, ao comércio e à indústria têxtil. A porcentagem alta no setor pecuário é devido ao período da pesquisa. Antes o quadro de trabalhador resgatado no campo era muito grande, hoje há uma modificação no cenário”, completou a procuradora.