A MP 873 classifica como “facultativas” as contribuições sindicais (art.545) a cargo do empregado, afirma que o pagamento deverá ser “requerido” (art. 578), “expressamente e previamente autorizado” pelo empregado (art. 578), não sendo admitida sequer a “autorização tácita” (art. 579, § 1o), e que o pagamento será feito exclusivamente “por boleto bancário ou equivalente eletrônico”, também pelo empregado.
Essas disposições representam o flagrante do irrazoável, e documentam a constrangedora edição de uma Medida Provisória de muitas inconstitucionalidades. As inconstitucionalidades requerem conhecimento jurídico especializado para serem identificadas, mas o bom senso deveria funcionar para desvendar coisas que são óbvias. Por exemplo, a locução “requerimento de pagamento” não funciona neste caso em relação ao credor (porque este exerce cobrança, não requerimento), nem funciona em relação ao devedor (que simplesmente paga, sem precisar de vênia para pagar). O sentido jurídico de pagar débito envolve conceito de relação de débito e crédito, que deveria ser mais facilmente notado, mesmo ao leigo.
Sobre as inconstitucionalidades, as decisões judiciais já se pronunciaram abundantemente nas últimas semanas e em vários Tribunais, de 1o e de 2o grau, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal. Veja aqui, uma de nossa lavra: https://bit.ly/2FLkGI7. São inconstitucionalidades formais (ausência de necessidade e de urgência) e materiais, interferência estatal na administração dos Sindicatos, cassação de liberdades e até atentado à mais fácil de todas as interpretações, que é a literal, quando decreta a extinção do desconto em folha de pagamento, em testilhas com o disposto no art. 8o, IV, da CF, pela imposição do pagamento por boleto bancário. Isso sem falar na ofensa a Convenções Internacionais que legitimam a negociação coletiva, e na supressão do diálogo tripartite indispensável a esse tipo de regulação normativa. A MP 873 não subsiste ao controle de constitucionalidade, nem ao controle de convencionalidade, nem ao controle de legalidade, nem ao controle do simples bom senso. Do ponto de vista jurídico, a MP 873 é uma tragédia; do ponto de vista do mérito normativo, é uma ingenuidade; do ponto de vista da logicidade, não serve nem como projeto.
O que propõe a MP 873 é que exista “requerimento” (art. 579) escrito (art. 578), precedido de autorização, também escrita (art. 578), para que o direito (art. 545) de pagar (ou de receber) se efetive, e que esse pagamento se materialize por “boleto bancário” (art. 582) apresentado ao empregado (art. 582), e que este se dirija a uma entidade bancária para efetuar, ele mesmo, o pagamento que ele mesmo quis, deferiu e autorizou. Ou seja, a MP 873 consagra a utilidade de uma autorização “prévia” para que o próprio empregado, portador do boleto, faça o pagamento. Seria dizer que o empregado autoriza ele mesmo a pagar, ou que o boleto para ele pagar não tem validade, sem ele o autorizar… Que perda de tempo!
Para qualificar a desrazão, a MP 873 se esqueceu da contribuição sindical patronal, e vinculou-a, inusitadamente, também à autorização do empregado, como se este devesse autorizar, previamente, a vontade da empresa sobre contribuir, ou não, para o Sindicato da categoria econômica (art. 579).
Não é a Lei que muda a sociedade; a sociedade é que muda a Lei.
Rafael E. Pugliese Ribeiro
Desembargador Vice-Presidente Judicial
Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região