Governo estuda revisar regras de segurança do trabalho em meio a calor extremo

A alteração das regras de trabalho para profissionais que atuam a céu aberto sob calor extremo está sendo estudada pelo governo federal. O Ministério do Trabalho e Emprego discute a atualização de normas regulamentadoras, que estipulam regras para proteger a segurança do trabalho, levando em consideração o clima da região, o período do dia e cargo do trabalhador.

Em 2024 um texto preliminar foi discutido em audiências públicas entre julho e outubro. As discussões continuam neste ano e a aprovação final do texto é esperada até 2026, de acordo com a pasta.

Especialistas apontam para a necessidade de fiscalização eficiente e comprometimento das empresas. Caso contrário, as normas continuarão como simples recomendações por não ter força de lei.

O aumento das ondas de calor extremo no Brasil faz com que as discussões se tornem ainda mais pertinentes. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 18,9 mil mortes e 22,85 milhões de lesões ocupacionais ocorrem todo os anos no mundo devido ao calor extremo. Dentre as categorias mais afetadas, estão trabalhadores rurais, da construção civil, da mineração e da limpeza pública.

De acordo com Daniel Bittencourt, pesquisador e meteorologista da Fundacentro, instituição de pesquisa em segurança e saúde no trabalho vinculada ao MTE, as temperaturas recordes de 2023 e 2024 no Brasil apontam para um cenário cada vez mais extremo.

“Ondas de calor têm sido mais frequentes, intensas e prolongadas. Isso é resultado direto das mudanças climáticas”, afirma.

Em relatório feito pela OIT sobre os efeitos das mudanças climáticas na saúde e segurança dos trabalhadores, foi apontado que eventos extremos comprometem os mecanismos de regulação térmica do corpo humano, o que pode levar a exaustão, desmaios, náuseas e, em casos graves, danos irreversíveis a órgãos internos e até morte.

Leia: Parceria Brasil-EUA pelos Trabalhadores e OIT debatem ação contra calor extremo

Recentemente o ministério criou um grupo de trabalho para revisar a Norma Regulamentadora 15 (NR-15), que trata de condições de insalubridade para trabalhadores e dos limites de exposição laboral ao calor.

Foi, então, elaborado um texto preliminar que já passou por uma consulta pública. Foram recebidas 1060 contribuições e sugestões de alterações.

A NR-15 atual prevê que equipamentos de proteção individual (EPIs), como protetor solar e bonés com proteção para o pescoço, sejam oferecidos pelos empregadores aos trabalhadores. Para especialistas, tais medidas tornaram-se ineficientes diante do caráter extremo das ondas de calor atuais.

Alteração do horário de trabalho para evitar os períodos mais quentes do dia, a adoção de intervalos maiores para recuperação térmica, a criação de áreas sombreadas e acesso a água potável são algumas das propostas discutidas.

Técnicos do MTE, trabalhadores e empregadores têm participado das discussões. De acordo o coordenador da secretaria de inspeção do trabalho do ministério, Rogério Araújo, o formato tripartite torna as normas das propostas mais legítimas e permite alcançar melhores consensos.

Ele explica que “com a participação das três partes envolvidas, é possível conduzir a discussão de forma tranquila e alcançar o melhor texto para regulamentar essas atividades”.

No entanto, ele aponta que o engajamento do patronato é o principal desafio. “A falta de comprometimento das empresas pode comprometer a implementação das mudanças, mas a legitimidade das normas é muito maior quando os empregadores participam ativamente do processo”, afirma.

Para Marco Aurélio Guimarães, presidente da associação dos advogados trabalhistas do Paraná, “há uma absoluta despreocupação com o trabalhador a céu aberto porque a atividade sequer é considerada insalubre”.

Além disso, em 2019, o governo Bolsonaro fez uma alteração na NR-15 que determinou que apenas os trabalhadores em ambientes fechados terão direito a receber adicional de insalubridade. Os que atuam a céu aberto deixaram de ter essa possibilidade.

Garantir um ambiente de trabalho seguro não protege apenas os trabalhadores, mas também reduz custos relacionados a acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, ressalta Guimarães. Ele também afirma que a exposição prolongada ao calor também afeta a produtividade, reduzindo o ritmo de trabalho e aumentando o risco de acidentes.

Já a ausência de força legal nas normas regulamentadores dificulta a sua aplicação, conforme ressalta Jocineia Zanardini, procuradora municipal e sócia fundadora da Zanardini Advogados.

“Enquanto não for lei, é difícil implementar mudanças, porque não há obrigatoriedade. Muitos empregadores só enxergam custos adicionais”, explica. “A fiscalização já é deficitária, e isso torna a aplicação das normas quase impossível na prática”.

Diversos países já adotam medidas mais rigorosas para proteger trabalhadores do calor. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem limites de temperatura para cada estado, como a Califórnia, que obriga a criação de áreas sombreadas e pausas frequentes.

Já a suspensão das atividades quando as temperaturas ultrapassam níveis seguros é uma orientação comum na Austrália. Já na Espanha, pausas prolongadas para o almoço, que podem chegar a quatro horas, são inseridas na jornada de trabalho.

No Brasil os desafios para a aplicação de soluções são culturais e logísticos, conforme apontam especialistas.

“Aqui, o trabalhador muitas vezes mora longe do local de trabalho e depende de transporte público, o que dificulta horários flexíveis. Além disso, há resistência das empresas em assumir custos adicionais”, diz Zanardini.

Com informações de Folha de S.Paulo
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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