A notícia de que a direção-geral da Polícia Federal pôs fim ao grupo de trabalho da Lava Jato pegou de surpresa não apenas a sociedade mas os próprios policiais. Acendeu o sinal amarelo de que o governo poderia estar tentando interferir no órgão para estrangular a operação.
Os motivos apresentados para justificar a decisão não foram convincentes. Nada explica mexer numa estrutura de investigação bem-sucedida, que propiciou total integração entre a PF, o Ministério Público e a Justiça, numa dinâmica de trabalho articulada, célere e eficiente.
O formato moderno de força-tarefa liberou os policiais para atuarem com dedicação integral à operação, dada a sua extensão, volume e complexidade. Atualmente, há muito material a ser analisado (documentos escritos, extratos bancários e contratos, dados de interceptações telefônicas e telemáticas), resultado de recentes buscas e apreensões.
Isso acarreta novos indícios e provas, mais suspeitos a serem investigados, especialmente diante de colaborações a caminho de serem firmadas. O exemplo de trabalho conjunto, que deveria ser a regra e não a exceção dentro da Polícia Federal, pode agora ser sepultado.
A Lava Jato foi jogada na vala comum das investigações, cujo modus operandi é lento e burocrático,/ com resultados pífios. Os antecedentes da baixa eficiência da polícia brasileira são autoexplicativos.
Apesar de a Polícia Federal não apresentar de maneira clara e direta o nível de efetividade das investigações criminais do órgão, outras bases de dados confiáveis, como a da Escola Superior do Ministério Público da União, indicam que o atual modelo é ineficiente.
Segundo o estudo da escola, em São Paulo, por exemplo, a taxa de inquéritos que resultaram em denúncia, em casos de corrupção ativa e passiva, foi de 4,62% em 2012.
Para os demais crimes, o destino foi o arquivamento com a impunidade de seus autores. O estojo que guarda a bala de prata da Lava Jato está justamente nas causas dessa distopia: a falta de provas técnico-científicas e a prescrição ainda na fase persecutória.
Como as estatísticas provam que o padrão dos inquéritos da Polícia Federal apresenta índices baixos de eficiência (menos de 10% geram denúncia), é fácil deduzir que a Lava Jato, um ponto de competência fora da curva, pode ser submetida ao mesmo rito das investigações comuns.
Por isso, sobram suspeitas sobre a sinceridade do discurso oficial de que o encerramento do grupo de trabalho foi unicamente de caráter administrativo, e não político. Acreditar nessa fala é tão inocente como admitir que não há corrupção no Brasil.
A canetada pode ter encerrado, de fato, o ciclo de investigações céleres dentro da Polícia Federal.
A direção-geral da PF deve defender a dignidade do órgão e proteger a Lava Jato, uma operação que virou patrimônio nacional, sinônimo de combate à corrupção. O caminho é reativar a força-tarefa, cujo fim foi na contramão do ensejo da gente honesta e esperançosa do Brasil.
FLÁVIO WERNECK é vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef)
Fonte: Folha de S. Paulo