Juiz nega indenização a doméstica que serviu família por 44 anos sem salário

A Justiça do Trabalho na Bahia negou indenização a uma mulher que trabalhou na casa de uma família em Salvador durante 44 anos sem salário ou qualquer benefício. Com 53 anos atualmente, ela chegou na casa aos 7 anos e começou a trabalhar nos afazeres domésticos.

A ação pedindo indenização à mulher por trabalho análogo à escravidão foi apresentada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que vai recorrer da decisão da Justiça, publicada no início deste mês.

“Em seu âmago, naquela casa, [ela] nunca encarnou a condição essencial de trabalhadora, mas de integrante da família que ali vivia, donde se infere que, sob o ponto de vista do direito, jamais houve trabalho e muito menos vínculo de emprego”, argumentou o juiz Juarez Dourado Wanderlei em sua sentença.

O coordenador estadual de enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo na Bahia, Admar Fontes Júnior, criticou a decisão em declaração ao Repórter Brasil. “É aquela velha história de dizer que a trabalhadora pertence ao seio familiar e, com isso, negar a ela seus direitos”, disse.

Segundo ele, que acompanhou o caso da doméstica desde o dia em que a fiscalização trabalhista descobriu a situação, a mulher ficou assustada quando soube que o juiz considerou que ela não trabalhava na casa.

Fontes Júnior conta que, enquanto os filhos dos patrões estudaram até a graduação, a trabalhadora não aprendeu nem mesmo a ler e escrever.

No entanto, em seu depoimento à Justiça, a mulher disse que “nunca foi maltratada”, que “não aconteceu nada na casa que não tenha gostado” e que até mesmo retornaria à casa a passeio. Essas declarações foram usadas pelo juiz para considerar a relação familiar, e não de trabalho, apesar da diferença de tratamento dada a ela e aos filhos.

“Todas as trabalhadoras domésticas que foram resgatadas relatam esse sentimento, que elas pertenciam ao seio familiar. Mas quando a gente pergunta mais detalhes, ouve que elas tinham um quarto nos fundos de casa, sem luz natural, não sentavam à mesa para comer com o restante dos moradores da casa e por aí vai”, relatou Fontes Júnior.

Argumentos da ação do MPT

De acordo o MPT, a empregada foi entregue à família pelo próprio pai quando tinha 7 anos.

A partir daí, pelos próximos 44 anos, ela fazia todo o serviço doméstico da casa e cuidava dos filhos dos patrões, com jornadas diárias de até 15 horas. Sem remuneração, ela também não tinha direito a férias nem a descanso semanal.

O Ministério Público pediu o pagamento dos salários pelos 44 anos de serviço, além dos benefícios, que nunca foram pagos, como FGTS, 13º salário e férias remuneradas. No total, a indenização pedida era de R$ 2,4 milhões.

A auditoria do trabalho que classificou a situação da doméstica como análoga à escravidão apontou a presença de três elementos previstos na lei que define o que é trabalho escravo para justificar a acusação:

Jornada exaustiva, pelas 15 horas diárias de trabalho, sem direito a férias ou dia de descanso.

Condições degradantes, que foram apontadas no relatório da auditora Tatiana Fernandes. “Os direitos mais elementares não estavam preservados: ela não tinha liberdade, não tinha privacidade, não tinha como gerir a própria vida”, diz o documento.

Ainda neste quesito, o relatório conta que a trabalhadora dormia em um quarto com os netos da patroa, de quem também chegou a cuidar, e até mesmo saídas ordinárias, como idas ao mercado ou à padaria, eram controladas pelos patrões, que reclamavam caso considerassem que a funcionária havia demorado.

Trabalho forçado, que foi apontado pela auditora por considerarem que a mulher “não tinha a menor condição de sair daquela situação”, porque, sem salário, não tinha recursos financeiros para se manter fora daquela casa. Ela nem mesmo chegou a ter conta bancária durante todo esse tempo, afirma Fernandes.

Defesa da família

O advogado da família, Dielson Fernandes Lessa, afirmou em entrevista ao Repórter Brasil que a decisão “restabelece a justiça”.

“A família entende que foi vítima de calúnia, porque nunca existiu esse tipo de tratamento [de trabalho escravo]. A relação entre a suposta vítima com a família é de mãe e filha, de pai e filha”, disse.

Leia também: Brasil tem 3x mais resgates de pessoas em trabalho escravo no 1º semestre de 2023

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