Denúncias ao MPT envolvendo calor extremo batem recorde nos primeiros meses de 2025

O Ministério Público do Trabalho registrou nos primeiros meses de 2025 um número recorde de denúncias relacionadas ao calor extremo no ambiente de trabalho. Até o dia 31 de março, foram feitas 427 denúncias envolvendo o tema, o que representa quase 60% do total registrado em todo o ano de 2024, ano mais quente no Brasil desde 1961 segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

Em São Paulo, as notificações passaram de 163 em 2023, para 195 em 2024 e 129 até 31 de março. No entanto, o número pode ser maior se, nas queixas, o termo calor não tiver sido especificado.

As queixas estão partindo até mesmo de consumidores de lojas de varejo, que se incomodam com o calor ao passar pouco tempo no estabelecimento e pensam nos trabalhadores que são expostos àquelas condições o dia todo.

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Os setores com maior número de denúncias relacionadas ao calor excessivo são aqueles que envolvem trabalho a céu aberto, como construção civil, agricultura, entregas, telecomunicações e vigilância. Porém, comércio, telemarketing e até hospitais acumulam queixas.

“A gente tem recebido muita denúncia, não do próprio trabalhador, mas de clientes que se ressentem dessa situação vivida por eles. Os consumidores chegam dizendo: ‘Olha, aqui tá tão quente, não tem ar-condicionado, e esses trabalhadores expostos, alguém vai morrer, alguém vai desmaiar’, diz a procuradora do Trabalho Cirlene Zimmermann.

Para a procuradora, que é coordenadora nacional de defesa do meio ambiente de trabalho, o aumento nas denúncias tem relação pelo alto número de dias seguidos em que foram registradas temperaturas muito altas, ou seja, a quantidade de ondas de calor extremo.

“O que era um dia ou dois de calor, as pessoas suportavam e continuavam o seu trabalho. Só que, em situações em que isso se estende para praticamente uma semana toda, às vezes, dez dias, isso realmente impacta muito a questão de se manter saudável e seguro”, diz.

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Dentre os sintomas relatados pelos trabalhadores ao MPT estão exaustão, perda de concentração e desmaios. De acordo com o médico Raul Queiroz Mota de Sousa, do Cejam (Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”), esses sintomas são comuns quando há exposição prolongada ao calor intenso.

“O corpo ativa alguns mecanismos de regulação da temperatura com o intuito de evitar o superaquecimento do organismo, aumentando a transpiração, que tem como consequência uma maior desidratação pela perda de líquidos. Além disso, a pressão arterial tende a baixar”, explica.

A médica Maria Elisa Bertocco Andrade, diretora da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia), alerta que a frequência das ondas de calor pode levar a mais casos de infarto e doenças respiratórias, das infecções transmitidas por mosquitos, dos casos de intoxicação por alimentos e as infecções virais, como a gripe e a pneumonia atípica. Nesse cenário, os trabalhadores na informalidade ficam ainda mais vulneráveis.

“Estamos trabalhando junto ao poder público para que haja ações envolvendo trabalhadores em situação de informalidade. A proposta inclui a disponibilização de espaços para descanso e hidratação em locais públicos, além da orientação sobre medidas de proteção. Essa atuação possibilita que instâncias de vigilância em saúde do trabalhador sejam acionadas para definir as medidas necessárias”, conta Cirlene.

Técnico em segurança do trabalho, Marcos Clayton da Silva atua em obras verticais e conta que a maior queixa dos trabalhadores é o calor no telhado. Em situações de calor extremo, nem mesmo todos os equipamentos de proteção são suficientes.

“Eles usam balaclava [espécie de máscara que cobre a cabeça, pescoço e, em alguns casos, parte do rosto], camisa de manga longa, protetor solar e se hidratam de meia em meia hora. Mas, no telhado, em dia de sol forte, a temperatura ultrapassa os 50° C”, diz.

A forma encontrada de amenizar os riscos foi ampliar o horário de almoço, das 11h às 13h, para tentar evitar o sol mais forte e priorizar trabalhos internos quando possível. Ainda assim, os acidentes não foram completamente evitados.

Em outubro de 2024, um trabalhador caiu do telhado de uma obra após ter um mal súbito, que, na hora, não foi visto como acidente. Ao investigar a situação no momento do mal súbito, ficou evidente a influência do calor.

“Ele estava carregando um motor para uma máquina de sucção, teve um mal súbito e caiu. Nós fizemos o primeiro atendimento, levamos para o hospital; passou por observação, teve uma fratura no punho esquerdo e um corte na orelha”, conta. “O trabalhador não reclamou do calor, mas fizemos o levantamento da causa do acidente e foi constatado que foi devido ao calor. Era 13h30, 14h, então o calor estava muito forte.”

Para o técnico, a legislação deveria considerar calor extremo como insalubridade, com direito a adicional. Essa possibilidade existiu até 2019, quando o governo Bolsonaro retirou de uma NR (norma regulamentadora) a previsão de pagamento de adicional por conta da exposição a alta temperaturas, conforme o grau do calor.

A procuradora do Trabalho concorda com a avaliação do técnico. “Não é só a questão pontual desse impacto [do calor], mas o próprio risco de acidentes que podem aumentar em função dessa exposição ao calor. Para empresas é ruim também, porque há uma tendência de redução de produtividade, porque os trabalhadores exaustos vão produzir menos ou, daqui a pouco, não têm a mesma produtividade”, diz Cirlene.

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