Corte de orçamento no Ministério do Trabalho diminui combate ao trabalho escravo

Número de operações caiu 23,5% em 1 ano; total de resgatados é o menor desde 1998

O número de operações de fiscalização para a erradicação do trabalho escravo caiu 23,5% em 2017 em comparação com o ano anterior, segundo dados do Ministério do Trabalho. Foram realizadas 88 operações em 175 estabelecimentos no ano passado, contra 115 em 2016. É a menor atuação das equipes de erradicação desde 2004, quando foram feitas 78 fiscalizações.

Já o total de trabalhadores resgatados também apresentou queda em 2017. Foram 341 pessoas encontradas em situação análoga à de escravos e retiradas das frentes de trabalho, número mais baixo desde 1998 (159 resgates). Em relação a 2016, a queda foi de 61,5%.

O Pará foi o estado líder das libertações no país, com 72 resgatados em 17 cidades – o que representa 21% do total de resgates do país. Minas Gerais, que liderou a lista nos últimos quatro anos, aparece em segundo lugar, com 60 resgatados em 13 cidades. Em seguida, estão Mato Grosso (55) e Maranhão (26).

O G1 solicitou os dados ao Ministério do Trabalho por meio da Lei de Acesso à Informação. Os números podem sofrer ligeiras alterações ao longo dos próximos meses, quando devem ser consolidados pela pasta.

No ano auge das operações, em 2013, foram feitas 189 fiscalizações. Além disso, o número de trabalhadores resgatados ultrapassava a marca de mil por ano desde 2001. Em 2007, por exemplo, quase 6 mil foram resgatados. Em 2016 e em 2017, porém, os registros ficaram abaixo de mil.

Considerando que o trabalho escravo é baseado em denúncias e fiscalizações, os números mais baixos não representam necessariamente uma menor incidência do crime no país.

Segundo o Ministério do Trabalho, as unidades regionais da pasta tiveram corte orçamentário nas atividades rotineiras de fiscalização, o que afetou o combate ao trabalho escravo. Quando denúncias de casos graves foram recebidas, o ministério afirma que providenciou recursos orçamentários de outras fontes para atendimento das denúncias.

“O ideal é o recurso disponível para ações planejadas em atividades em que os auditores das regionais sabem que há grande indício de exploração de trabalho análogo ao de escravo. Dessa forma, o número de ações fiscais nas regionais caiu bastante em 2017”, informa o Ministério do Trabalho.

A pasta também destaca que a dinâmica de exploração do trabalho tem mudado. “Há alguns anos, era comum uma operação encontrar 300 ou 500 trabalhadores em um único estabelecimento. Hoje os maiores resgates giram em torno de 40 trabalhadores. Isso se deve a contratos mais curtos, principalmente no meio rural, que dificultam a constatação da irregularidade conforme denunciado, tendo em vista o tempo de planejamento de uma operação do porte do grupo móvel.”

“Precisa ainda ser considerado os resultados do próprio trabalho da Auditoria-Fiscal do Trabalho e dos órgãos parceiros na prevenção e combate ao trabalho escravo desde 1995. As formas de exploração atuais se tornaram mais complexas, e isso tem demandado dos auditores uma atuação diferenciada.”

Portaria do trabalho escravo
As operações de trabalho escravo foram alvo de alterações e discussões no final de 2017. Em outubro, o governo publicou uma portaria alterando os conceitos usados pelos fiscais para identificar o trabalho escravo, restringindo o crime para casos em que houvesse restrição de liberdade – ou seja, quando o trabalhador é impedido de deixar o trabalho porque tem uma dívida com o empregador, seus documentos estão retidos, não há transporte, entre outros motivos.

Isso impediria os fiscais de realizar resgates em casos de condições degradantes e jornada exaustiva que não tivessem cerceamento de liberdade, por exemplo.

A repercussão negativa da portaria foi imediata. Posteriormente, ela foi suspensa pela ministra Rosa Weber, do STF, e o então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, pediu demissão. Uma nova portaria foi publicada no final de dezembro mantendo válidas as regras em vigor há quase 15 anos no país, em um sinal claro de recuo do governo.

Neste mês, um levantamento exclusivo feito pelo G1 mostrou que, de 1.122 trabalhadores resgatados nos últimos dois anos, apenas 153 (ou 14%) foram encontrados com restrição de liberdade. Isso significa que, se a portaria estivesse valendo neste período, 86% dos trabalhadores encontrados em condições degradantes não teriam sido resgatados.

A reportagem também demonstrou que, entre janeiro de 2016 e agosto de 2017, foram aplicadas 3.683 infrações nas fiscalizações. Levando em conta apenas as operações em que houve resgate, foram aplicadas, em média, 19 infrações em cada uma das visitas.

Entre as infrações, há desde aquelas relacionadas a carteira de trabalho e FGTS, quanto as que colaboram diretamente na caracterização do trabalho escravo por condições degradantes. Elas são geralmente ligadas a água, alojamento e alimentação impróprios.

O G1 levantou depoimentos de trabalhadores resgatados para mostrar a realidade do trabalho escravo no Brasil. Eles relatam ameaças, moradias insalubres e água dividida com animais.

Fonte: G1

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