As Copas de Nelson Rodrigues

Seu patriotismo volta a incomodar por conta da publicação de antologia. Se vivo, talvez nem tivesse espaço, exceto num blogue

*Aldo Rabelo 

Falecido em 1980, mas eternizado pela obra opulenta, Nelson Rodrigues continua a incomodar e incomoda sobretudo uma turma “da crônica” a quem chamava de “os entendidos”. A releitura de suas crônicas sobre o mundo do futebol dá a pista de que, ao cunhar a expressão “complexo de vira-lata”, mirou menos o humilde torcedor da geral que os “entendidos”, a quem atribuiu “gana destrutiva e bestial”.

Alvejando os que torciam contra o Brasil, “narcisos às avessas, que cospem na própria imagem”, Nelson ressalvava: “Claro que nem todos eram assim. Mas a maioria sim”. Quando a seleção ganhou a Copa de 1970, desabafou: “Vocês se lembram do que os nossos entendidos’ diziam dos craques europeus. Ao passo que nós éramos quase uns pernas de pau, quase uns cabeças de bagre. Se Napoleão tivesse sofrido as vaias que flagelaram o escrete, não ganharia nem batalhas de soldadinhos de chumbo.” E concluía: “Graças a esse escrete, o brasileiro não tem mais vergonha de ser patriota.”

Autodefinido “cronista-patriota”, e sabedor de que a definição “causa um divertido horror”, Nelson nunca foi e jamais será unanimidade, avaliação que considerava burrice. Vivo e atuante hoje, talvez nem tivesse espaço para defender o Brasil, exceto num blogue na internet. Poderia continuar sua trajetória de “anticomunista” exaltado, estigmatizando a esquerda “festiva”, “o padre de passeata”, “o marxista de galinheiro”, porém continuaria a travar a luta de ideias contra “os entendidos”. Poderia repetir: “Amigos, está cada vez mais largo e cada vez mais fundo o abismo que se cavou entre o povo e a crônica.”

Seu patriotismo, exacerbado como tudo na obra pontilhada de hipérboles que transfiguram a realidade, volta a incomodar em nossos dias por conta da publicação pela editora Nova Fronteira da antologia “A Pátria de Chuteiras”.

Com apoio do governo federal e BNDES, o livro celebra a realização da segunda Copa do Mundo no Brasil tendo 40 crônicas de Nelson como vinhetas literárias da superioridade do futebol brasileiro e do amor que tinha a seu país. O Ministério do Esporte destinou a maior parte da tiragem de 50 mil exemplares para os alunos de escolas públicas.

Se foi hostilizado em vida pela esquerda que hostilizava, Nelson Rodrigues é hoje vítima de um rapto literário perpetrado pelos que se acham os únicos autorizados a reconhecer a importância de sua obra.

Síndicos de seita ideológica, negam acesso a quem pensa diferente. Não deixa de ser uma manobra para se protegerem do fogo amigo do escritor. Ele próprio despiu-se desse antolho mesquinho. Foi amigo e admirador do trabalho de comunistas como o técnico João Saldanha e o dramaturgo Augusto Boal. Para surpresa das sociais, defendeu a anistia “ampla, geral e irrestrita”, o que incluía os “terroristas”, por ter um filho preso político.

Há quem veja sua obra supervalorizada. É assunto para especialista. Mas permanece luminosa a “graça artística que soube dar ao seu jornalismo literário”, na observação de Gilberto Freyre. Quando escrevia sobre a seleção, o futebol verde-amarelo e seus artistas incomparáveis, mostrava-se um patriota exaltado, como se declarou já em 1958: “Eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo”. Isso “os entendidos” preferem esconder.

PS – Convém prevenir que a muito citada declaração de Samuel Johnson, em 1775, de que “o patriotismo é o último refúgio do patife” foi deslindada por seu biógrafo James Boswell não como condenação do patriotismo em si, mas da manipulação do conceito pelo primeiro-ministro britânico John Stuart. Em seu famoso “Dicionário”, Samuel Johnson definiu patriota como “aquele cuja paixão dominante é o amor a seu país”.

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