Apartheid enterra democracia em Israel

Ações militares e políticas tornam o Estado israelense segregacionista

* José Arbex Jr.

Será melhor para Israel livrar-se dos territórios [ocupados ‘de Cisjordânia e Gaza] e de sua população árabe o mais rápido possível. Caso contrário, Israel se tornará rapidamente um estado de tipo apartheid.” O autor da frase é um famoso antissemita raivoso, conhecido por seu ódio a Israel e aos judeus: Ben Gurion. A declaração foi reproduzida pelo jornalista Hirsh Goodman, ex-vice-presidente da equipe de direção do jornal Jerusalem Post e diretor de redação do Jerusalem Report, que a ouviu em 1967, durante uma entrevista de Gurion logo após a Guerra dos Seis Dias. Ele próprio oriundo da África do Sul, escreveu em seu livro de memórias Let Me Create a Paradise, God Said to Himself (Deixe-me criar um Paraíso, Deus disse a si mesmo): “Aquela frase: ‘Israel se tornará num estado de tipo apartheid’ ficou martelando na minha cabeça.”

Em 2013, Alon Liei, ex-embaixador israelense na África do Sul, declarou: “Na situação que existe hoje, até que um Estado palestino seja criado, somos de fato um único estado. Este estado conjunto – na esperança de que o seu status quo seja temporário – é um estado de apartheid.” Em 2010, foi a vez do então ministro da Defesa (2007-2013) e ex-primeiro-ministro Ehud Barak (1999-2001), durante uma palestra pronunciada na Conferência de Herzliya, um centro formulador de estratégia política do estado judaico: “Enquanto neste território, a oeste do rio Jordão, houver apenas uma entidade política chamada Israel, ela será ou não judaica ou não democrática. Se o contingente de milhões de palestinos não puder votar, então será um estado de apartheid.” Em 2007, o então primeiro-ministro Ehud Olmert (2006-2009) afirmou: “Se chegar o dia em que a solução de dois estados entrar em colapso, e enfrentarmos uma luta ao estilo sul-africano de iguais direitos de voto (também para os palestinos nos territórios), então, assim que isso acontecer, o estado de Israel terá chegado ao seu fim.”

Um dos depoimentos mais veementes foi dado pelo ex-procurador geral de Israel (entre 1993 e 1996) Michael Ben-Yair: [Em 1967] “nós entusiasticamente escolhemos nos tornar uma sociedade colonial, ignorando tratados internacionais, expropriando terras, transferindo colonos de Israel aos territórios ocupados, praticando o roubo e encontrando justificativa para todas essas atividades. Apaixonadamente desejando manter os territórios ocupados, desenvolvemos dois sistemas judiciais: um – progressista, liberal – em Israel; e o outro – cruel, injurioso – nos territórios ocupados. Com efeito, foi estabelecido um regime de apartheid imediatamente após a sua captura. Esse regime opressivo existe até hoje.” Finalmente, em 2000, o almirante Ami Ayalon, deputado no Knesset (Parlamento), disse: “Israel deve decidir, rapidamente, em que tipo de ambiente ele quer viver, pois o modelo atual, que tem algumas características de apartheid, não é compatível com os princípios judaicos.”

A lista poderia ainda prosseguir, mesmo sem incluir os militantes e grupos judeus israelenses que lutam em defesa dos direitos humanos dos palestinos, como o BTselem, o Paz Agora e o Centro de Informação Alternativa. Essa simples coleção de declarações inequívocas, proferidas por integrantes do establishment israelense, já deveria ser suficiente para calar tanto os idiotas quanto os litigantes de má-fé que se apressam a caracterizar como “antissemita” qualquer um que faça críticas a Israel e/ou ao sionismo. Mas a coleção também coloca uma questão importante: se porta-vozes da esfera política e da sociedade verbalizam abertamente a crítica ao apartheid – seja por princípios éticos ou por considerações de natureza estratégica, não importam os motivos -, como explicar, então, o apoio da sociedade à política conduzida pela gangue de malfeitores dirigida por Benjamin Netanyahu?

Em primeiro lugar, existe o clima de pânico permanente, artificialmente impingido à população israelense. A suposta ameaça do inimigo onipresente, disposto a atacar a qualquer minuto, cria uma atmosfera belicosa. Como os foguetes do Hamas são artefatos rudimentares, de fabricação quase caseira, e não seriam por si só ameaça suficiente para gerar o pânico desejado, e como não sobrou nenhuma ditadura árabe capaz de assumir o lugar do Agente do Armagedon, o governo israelense mantém viva a fábula do suposto programa de armamento nuclear do Irã, do qual o Hamas seria um marionete. E uma prática similar à utilizada por Washington, com o ridículo sistema permanente de “alarme contra o terrorismo”, que oscila, diariamente, entre as cores verde (está tudo tranquilo) e vermelha (ataque iminente). A mesma síndrome de pânico foi alimentada e manipulada pela Casa Branca, em 2003, para atacar a ditadura de Sadam Hussein, a pretexto das “armas de destruição em massa” que, claro, nunca existiram. Trata-se, em síntese, da “doutrina do choque”, muito bem analisada e denunciada por Naomi Klein.

Em segundo lugar, a situação de apartheid é cômoda e lucrativa para uma boa parte da classe média israelense. Por exemplo, árabes palestinos que moram nos territórios ocupados só conseguem emprego em Israel com salvo-conduto oferecido pelos seus empregadores, para passarem os postos de fronteira. Os salvos-condutos só serão assinados se os empregados palestinos aceitarem os salários oferecidos pelos empregadores que usam e abusam desse poder para explorar ao máximo. Além disso, os territórios ocupados sofrem contínuos cortes de água, artigo escasso, enquanto são construídas piscinas nos assentamentos israelenses ilegais. Se os milhões de palestinos tivessem garantido os mesmos direitos de acesso à água, os israelenses teriam que conviver com a realidade da escassez.

O silêncio conivente – quando não o apoio entusiástico – da classe média permite a continuidade de instalação de assentamentos ilegais, que, finalmente, alimenta ainda mais a revolta dos palestinos. Os foguetes lançados pelo Hamas completam o círculo vicioso de provocações e ataques, abrindo a via sangrenta da gangue fascitoide de Netanyahu. As vozes que pedem o diálogo são sufocadas pelas explosões. A previsão de Olmert começa a se cumprir.

*José Arbex Jr. é jornalista

Fonte: Edição de agosto da Revista Caros Amigos

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