O combinado não sai caro: a volta por cima da liberdade sindical – Felipe Santa Cruz

Felipe Santa Cruz: A volta por cima da liberdade sindical – Em 24 de abril, a maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) votou pelo reconhecimento da constitucionalidade das contribuições negociais, desde que garantido o direito de oposição. Desde a reforma trabalhista, que entrou em vigência em novembro de 2017, a viabilidade financeira das entidades sindicais foi colocada em xeque.

Até então, a contribuição sindical era descontada compulsoriamente no montante de um dia de trabalho por ano e repassada às entidades sindicais. Não é segredo que muitas das entidades sindicais se opunham publicamente a esse sistema de desconto. Alguns sindicatos devolviam o imposto sindical aos trabalhadores descontados ou aos seus sócios, como forma de mitigar as críticas e mostrar sua real conexão com a base de representados. No entanto, a contribuição sindical obrigatória era uma fonte de arrecadação estável e garantida a todos os sindicatos.

Outra modalidade era a imposição de contribuições assistenciais ou negociais, isto é, previstas em normas coletivas e, portanto, aprovadas diretamente pelos trabalhadores em assembleia. Muitas dessas cláusulas já previam a possibilidade de o trabalhador se opor à cobrança. Em contrapartida, o produto da atuação sindical, especialmente os textos dos acordos e convenções coletivas de trabalho, aproveitavam a todos os integrantes da categoria, filiados ou não, contribuintes ou não.

A reforma trabalhista proibiu o desconto das contribuições sem a expressa e prévia anuência do empregado, o que resultou em uma queda de mais de 80% na arrecadação das contribuições sindicais de 2017 para 2018, segundo o portal de relações sindicais Ministério do Trabalho e Emprego. Apesar de intenso debate sobre a natureza tributária das contribuições, o STF declarou em 29 de junho de 2018 a constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória.

A constituição é um marco em nossa redemocratização e prevê como regra a liberdade sindical. Nela foram mantidos os pilares do sindicalismo brasileiro: a representação compulsória e a unicidade sindical. Assim, ainda que o trabalhador não deseje se filiar ao sindicato, ou mesmo que discorde completamente das medidas tomadas por este, ele tem direito aos benefícios — notadamente reajustes salariais – negociados e firmados nos acordos e convenções coletivas do seu sindicato.

Desde o início da vigência da Reforma Trabalhista, vive-se um paradoxo: a negociação de acordos e convenções coletivas de trabalho segue tendo efeito para todos os membros da categoria, mas os integrantes da categoria representada e beneficiada não tem qualquer obrigação de financiar o funcionamento dos entes sindicais que negociam estas mesmas normas.

Apesar de aprovada a reforma sob o discurso que era preciso reaproximar o sindicato das bases, a contribuição assistencial, aprovada em assembleia com participação direta dos trabalhadores, foi inviabilizada. Ainda que houvesse aprovação em assembleia, era necessária autorização individual. A reaproximação das bases que ignora a necessidade de participação do trabalhador em assembleia não passa de um discurso vazio. É o contato mais direto do trabalhador com seu sindicato e onde há possibilidade de participação efetiva.

O Brasil se encontrava em descompasso com as recomendações dos órgãos nacionais e internacionais na área de proteção ao trabalho. O Comitê de Liberdade Sindical da OIT dispõe que “a questão do desconto de contribuições sindicais pelos empregadores e seu repasse para os sindicatos deve ser resolvida pela negociação coletiva entre empregadores e sindicatos em geral, sem obstáculos de natureza legislativa”. Mesmo o Ministério do Trabalho possuía uma ordem de serviço desde 2009 que assegurava a cobrança de contribuição assistencial de toda a categoria, desde que assegurado o direito de oposição.

Tratando especificamente do tema do repasse de contribuições, a Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis) do Ministério Público do Trabalho (MPT) editou o Enunciado 24, segundo o qual “a contribuição sindical será fixada pela Assembleia Geral da categoria, registrada em ata, e descontada da folha dos trabalhadores associados ou não ao sindicato”. E, ainda, editou a nota técnica nº 2, refletindo o entendimento que os abrangidos pela negociação coletiva devem participar do financiamento desse processo, “sob pena de inviabilizar a atuação sindical, bem como atuar como desincentivo a novas associações”.

Com o voto de seis ministros, a tese fixada pelo STF reconhece ser “constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

A forma de exercício do direito de oposição é um tema que merece ser regulado para garantir a efetiva participação do trabalhador, o contato com o sindicato e evitar que se torne um mecanismo de esvaziamento dos sindicatos por parte de empresas mal-intencionadas. Pode ser uma excelente oportunidade para avançar na regulamentação de práticas antissindicais no país.

Com o julgamento, o Brasil se reposiciona no sentido de garantir a efetiva liberdade sindical e de criar condições fáticas para reaproximação do sindicato com os trabalhadores, ao privilegiar espaços de exercício da autonomia coletiva.

Mais que isto, a decisão do Supremo corrige o curso tomado pela reforma que, ao exigir autorização individual para contribuição, esvaziava a autonomia coletiva dos sindicatos, derivação direta da solidariedade como objetivo republicano e dos valores sociais do trabalho. Privilegia-se, agora, a participação em assembleia como espaços de coletividade e troca, que compreende uma relação de proximidade com os sindicatos, o uso da autonomia coletiva e as negociações coletivas como forma de afirmação do paradigma dos direitos sociais do trabalho.

Felipe Santa Cruz é advogado, sócio do escritório Felipe Santa Cruz Advogados, foi presidente da OAB-RJ (2013-2018), presidente nacional da OAB (2019-2021) e professor de Direito do Trabalho.

*Artigo publicado originalmente em ConJur

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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